'Atenas pode ser a ponte entre a UE e os Brics'

Novo chanceler grego diz ser necessário'estabilizar' situação no país e defende nova relação com a Rússia

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Atualização:

A chegada ao poder da Coalizão Radical de Esquerda (Syriza) na Grécia preocupa a União Europeia não apenas na questão econômica. Além de pregar a renegociação da dívida de € 316 bilhões, o governo de Alexis Tsipras traz outra visão de política externa, muito mais próxima da Rússia de Vladimir Putin do que países da Europa Ocidental, como França e Grã-Bretanha. Não que Atenas possa, sozinha, alterar a posição dos líderes diplomáticos da União Europeia, mas o temor é que Tsipras adote uma posição ambígua. Falando ao

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Estado

e ao jornal francês L'Humanité, o novo ministro das Relações Exteriores, Nikos Kotzias, defendeu a virada na política da União Europeia em relação à Rússia, a federalização da Ucrânia - posição idêntica a de Moscou - e a aproximação entre a Grécia e os grandes emergentes dos Brics. A seguir, trechos da entrevista concedida em Atenas.

O senhor acredita que a Grécia continuará na União Europeia e na zona do euro nos próximos anos?

Você conhece a mitologia: Zeus apaixonou-se por uma moça que vivia na Líbia. Você sabe qual era o nome desta moça? Seu nome era Europa. Logo, sem a Grécia, não há Europa. Através deste mito, nós estamos na fundação da própria ideia de Europa, e não há como abandoná-la. Quanto a tudo o que pode ter sido dito nos últimos dias sobre a saída ou não da Grécia da zona do euro, isso faz parte das negociações informais. Até aqui, nós estávamos em fase de testes. Na verdade, há uma série de negociações informais durante os últimos meses. Quando digo que não há outra solução além de anular o memorando - os acordos de empréstimos firmados com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional -, trata-se de uma posição de negociação. Quando na Alemanha alguém diz que "a Grécia deve sair da zona do euro" em uma entrevista a um jornal, trata-se de negociação para gerar pressões e estabelecer posições melhores para os dias de negociações reais. A União Europeia e Berlim vão repensar, vão elaborar um novo "logos", um novo discurso. A questão mais importante para todos neste momento é estabilizar a situação da Grécia.

Qual será a política da Grécia em relação à Rússia?

Essa é a grande pergunta que muitos veículos de imprensa americanos estão me fazendo. Tenho dito que a Grécia é um país da União Europeia, mas além disso pode desempenhar um papel de ponte com os países Brics (o grupo de grandes emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Repito: nós somos parte da União Europeia, mas também podemos abrir outras janelas.

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Quais seriam essas janelas?

A primeira janela a abrir seria aceitar que cada país da Europa tem algo a dizer sobre a política em relação à Rússia. Não podemos aceitar que a política da União Europeia para a Rússia seja decidida fora das instituições dela. Logo, se formos definir uma posição democrática dentro das instituições europeias, teremos de levar em consideração diferentes interesses e opiniões. Do contrário, teremos o direito de seguir com uma política em relação à Rússia tal qual nós entendemos que deve ser.

E qual deve ser essa política?

A grande questão a meu ver é: existe uma política da União Europeia para a Rússia? Não estou certo disso. Assim como não existe uma política da Alemanha para a Rússia. Dentro da Alemanha há muitas diferentes opiniões sobre qual deve ser o comportamento do país em relação à Rússia. Há uma longa história de contradições. Antes de Bismarck, com Guilherme II, havia uma ampla influência do czar sobre a política alemã. Bismarck tinha uma posição específica sobre a política da Rússia na Ucrânia. Depois, houve a 1.ª Guerra, com os confrontos entre Alemanha e Rússia, e a seguir a aliança entre alemães e russos e o Tratado de Brest-Litovsk. Houve acordos em 1922 e mais tarde o acordo entre Hitler e Stalin, antes de um novo conflito na 2.ª Guerra. Não existe coerência na política da Alemanha e da União Europeia em relação à Rússia. Nós temos condições de criar uma estratégia para a Rússia que preservará os interesses de todos os membros. O que não gostamos é que a União Europeia tenha uma política para a Rússia que reflete os interesses de países que têm razões históricas e emocionais para serem agressivos. Por outro lado, não podemos fechar os olhos para a desestabilização que acontece agora na Ucrânia.

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Qual sua posição sobre a atual situação da Ucrânia?

Nossa posição para a Ucrânia hoje é respeitar os direitos de todos os povos e criar condições para uma democracia real. Criar uma democracia real, na minha opinião, significa passar pela federalização da Ucrânia. Não posso compreender quando os países da Europa Ocidental dizem que a federalização não é uma boa solução para a Ucrânia por causa dos russos. Eu creio que não há solução em nenhuma circunstância sem reformas democráticas. A Alemanha tem uma estrutura federal, a Grã-Bretanha tem toda uma história de devoluções (política do Parlamento britânico de devolução de autonomia aos parlamentos da Escócia, do País de Gales, da Irlanda do Norte e de Londres), a Espanha tem toda uma história de autonomias regionais. Logo, a solução da União Europeia para a Ucrânia tem de ser coerente com essa linha. Temos de respeitar a autonomia e o direito dos povos. Creio que os dois lados precisam entender que não haverá solução por meio dos Exércitos e da guerra. Nunca houve solução assim. A solução será a realização de reformas democráticas.

Tensões políticas também envolvem a Grécia e suas fronteiras com a Turquia. Qual a posição grega em relação aos turcos?

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Deus teve a ideia de criar a Grécia ao lado da Turquia, logo nós devemos ter relações de boa vizinhança. Mas ser um bom vizinho não significa abandonar nossos interesses. A questão mais importante é como criar as condições para uma região estável no Mediterrâneo. Nós estamos situados no meio de um triângulo complexo, com lados formados pela Líbia, pelo Oriente Médio e pela Ucrânia. Este triângulo está muito instável. Logo, se alguém quiser jogar com a Grécia, a União Europeia tem o interesse de pensar rapidamente nas consequências desta ameaça. Não falo de um ataque armado. Mas creio que ninguém tem interesse em desestabilizar (economicamente) a Grécia, porque isso traria para a União Europeia um grande número de novos problemas, como milhões de imigrantes e questões sobre segurança. O mais importante para a União Europeia é manter uma Grécia estável, capaz de irradiar estabilidade para toda a região, e não ser a porta aberta para a importação de instabilidade para a Europa.

Qual será a posição da Grécia em relação ao Tratado de Livre Comércio Transatlântico (TAFTA), entre a União Europeia e os EUA?

O problema é que não estamos discutindo TAFTA o suficiente porque o debate em torno da dívida tem sido hegemônico. A articulação entre os diferentes interesses não é muito alto no interior da União Europeia. A primeira coisa é que temos de manter um olho nessa questão. Temos de discuti-la. Mas a Grécia quer participar dessa discussão e ser parte da solução, não do problema.

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