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Atentado atinge campanha separatista e pode afetar plebiscito na Catalunha

Acusado de ignorar alerta da CIA sobre ameaça terrorista, governo regional garante que fará consulta popular em 1º de outubro apesar de ataques, que colocam em xeque a imagem de ‘Suíça do Mediterrâneo’, neutra e sem inimigos externos

Por Andrei Netto e Barcelona
Atualização:

BARCELONA - Na sexta-feira, o rei da Espanha, Felipe VI, tinha à sua direita o premiê Mariano Rajoy e, à esquerda, o governador da Catalunha, Carles Puigdemont, durante o minuto de silêncio em memória aos mortos no atentado de Barcelona. A cena foi interpretada como um símbolo de unidade, um sinal mais forte do que a vontade de independência dos catalães, que realizarão um plebiscito de autodeterminação em 1.º de outubro.

A unidade, porém, foi de fachada, e por trás da homenagem estavam cálculos políticos. O desejo de independência da Catalunha talvez tenha sido a primeira vítima colateral do atentado de Barcelona, na quinta-feira. Nas ruas, onde antes só havia bandeiras catalãs, apareceram símbolos da Espanha durante as homenagens aos mortos. O recado dos unionistas foi claro: para lutar contra o terrorismo islâmico, será preciso um Estado central forte, não um pequeno país independente.

Símbolos catalães predominaram em homenagens e quem exibiu bandeira espanhola chegou a ser hostilizado Foto: REUTERS/Sergio Perez

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Segundo o historiador francês Benoit Pellistrandi, especialista na questão catalã, o atentado pode ser decisivo para o resultado do plebiscito de 1.º de outubro. “Jamais as relações entre as autoridades catalãs de Barcelona e as espanholas de Madri foram tão deterioradas pelo projeto independentista”, disse. Para Pellistrandi, o ataque mostrou que o discurso de partidários da independência sobre a suposta “singularidade da Catalunha”, que seria uma espécie de Suíça do Mediterrâneo, neutra e sem inimigos no mundo, balançou com o atentado que deixou 14 mortos e mais de 130 feridos.

Desde 2012, 150 operações policiais foram realizadas e 220 extremistas foram presos em missões antiterrorismo em Barcelona. “O atentado lembrou à população de que sua sociedade, integrada ou não à Espanha, é um foco do extremismo no sul da Europa”, disse Pellistrandi.

Falando à imprensa, Puigdemont foi diplomático e ao mesmo tempo ressaltou as diferenças entre Madri e Barcelona ao ressaltar a “grande coordenação” entre “as polícias da Espanha e da Catalunha”.

Ele também elogiou Rajoy, que viajou a Barcelona e multiplicou os apelos por unidade. Mas, rejeitando a impressão de aliança, Puigdemont afastou qualquer possibilidade de adiar o plebiscito de 1.º de outubro.

O problema para os independentistas é que os atentados ampliam a pressão política sobre Puigdemont. Em julho, ele demitiu o conselheiro de Interior, Jordi Jané, por não se dedicar o suficiente à campanha pela independência, substituindo-o por um separatista, Joaquim Forn.

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Em 17 de julho, Forn demitiu o diretor da Mossos d’Esquadra, a polícia autônoma da Catalunha, que não apoiava o plebiscito. O nomeado foi Pere Soler, outro autonomista.

A medida passaria despercebida se a CIA, a agência de inteligência americana, não tivesse advertido a cúpula da polícia catalã sobre a iminência de um atentado terrorista islâmico em Barcelona. O relatório era tão preciso que indicava que Las Ramblas seriam um alvo preferencial. Segundo os críticos, a informação teria passado em branco em razão da disputa política na cúpula do Conselho de Interior e no comando da Mossos d’Esquadra.

Criticado, Puigdemont reagiu elogiando sua polícia, que, a pedido de seu governo, obteve de Madri o direito de participar do consórcio de polícias internacionais contra o terrorismo. “Estão ali, onde é necessário que estejam como polícia”, afirmou.

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Conflitos

Nas ruas, o ataque reacendeu o embate verbal - por vezes físico - entre partidários da independência e da união. Na sexta-feira, o Estado presenciou discussões entre militantes da autonomia e manifestantes com bandeiras da Espanha. Não bastasse, parte da propaganda nacionalista na Catalunha agora é vista sob outra perspectiva. Ao longo de meses, militantes do partido de extrema esquerda Candidatura de Unidade Popular (CUP), membro da coalizão de apoio a Puigdemont e à independência, realizaram campanha contra a presença de estrangeiros em férias na Catalunha, que consideram excessiva. Entre as ações do grupo extremista, estavam ataques violentos a ônibus de turismo e a pichação de muros da cidade com slogans. Um deles dizia: “Morte aos turistas”.