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Berlusconi "desafina" sobre o euro

Por Agencia Estado
Atualização:

O euro - a moeda única européia - começou a circular no dia 1º de janeiro. Com fanfarra. Com trompetes, gritos de vitória, fogos de artifício e auto-admiração. E elevação do euro em relação ao dólar. Uma semana depois, o euro se curva diante do dólar. É que uma das nações que aderiram ao euro, a Itália, de Silvio Berlusconi, deu uma "desafinada" monumental justamente sobre o euro. Na verdade, o ministro das Relações Exteriores de Roma, o "eurófilo" Renato Ruggiero, renunciou. Reagiu, assim, a uma torrente de pequenas frases que seus colegas de governo (os outros ministros de Berlusconi) espalharam contra o euro. O ministro da Economia, Giulio Tremonti, "duvida que a idéia da Europa conduza à paz". O ministro da Defesa, Antonio Martino (que já bloqueou a participação italiana em um avião militar europeu, a 400 m de altitude) prenunciou um "fracasso" do euro. E, enfim, Bossi, a lebre, chefe da Liga do Norte (o partido separatista, populista, de extrema-direita) brada: "O euro... não tem o menor interesse!" E Berlusconi? O homem de negócios, ultraliberal, voaria para socorrer o euro, ou seja, para tomar partido de seu ministro eurófilo das Relações Exteriores? De maneira alguma. Berlusconi aceita a renúncia de Ruggiero. Ele mesmo vai dirigir a diplomacia italiana. Não é de se espantar. Berlusconi jamais foi eurófilo. E a Europa sempre desconfiou dele. Quando conseguiu voltar ao poder, com a direita (o que não é grave), mas também com a extrema-direita (Bossi), houve quem quisesse, na União Européia, que a Itália fosse banida da Europa, mais ou menos como há poucos meses a Áustria por causa do "neonazista" Jorg Haider. No entanto, a Europa não se mexeu, com toda razão, considerando que essas "sanções" são piores que o próprio mal. Conseqüentemente, Berlusconi sentiu-se no direito de mostrar para a Europa seu poder. Deixou seus ministros declararem seu euroceticismo. Torpedeou vários projetos da União Européia. O nascimento do euro tira as máscaras: a Itália esteve na origem da União Européia (Alcide de Gasperi com Conrad Adenauer e Robert Schumann). Foram feitos sacrifícios cruéis para colocar a Itália nas normas financeiras muito duras exigidas para entrar na zona do euro. Ora, hoje, a equipe de Berlusconi não perde uma oportunidade para ignorar ou desprezar o euro. Portanto, está claro que se Roma continuar na Europa, é com a esperança de vê-la evoluir para uma vasta área de "livre-câmbio", mas sem o menor vínculo político, militar e diplomático. Dizem, na Europa, que "Berlusconi é uma espécie de Margareth Thatcher, pelo menos em matéria de temperamento". O paradoxo é que esse mesmo euro, que faz um de seus fundadores "se mandar", produz o efeito inverso em outros países que pertencem à União Européia, mas que não quiseram aderir ao euro: o Reino Unido, a Dinamarca, a Suécia, impressionados com o dinamismo do euro, temem o isolamento econômico e gostariam de se unir à zona euro. Vê-se como o euro, apesar de seu desempenho, permanece uma moeda com problemas. É o ônus de uma União de doze países, como a União Européia. Basta que um dos parceiros cisme para que todo o sistema fique ameaçado de paralisia ou de desordem. No caso da Itália, há um outro perigo: a União Européia está dividida em duas zonas: sul e norte. Os países do sul são frágeis: por exemplo, Portugal e Grécia. Há também moedas poderosas, Espanha e Itália. Nos Estados do norte, ao contrário, encontram-se a locomotivas mais sólidas, com a Alemanha à frente. A França, outra locomotiva, está metade no sul e metade no norte. A Europa setentrional considera, com alguma condescendência, o sul do continente europeu. Se for confirmada a fraqueza atual da Itália, a fachada sul ainda ficará mais apagada. Os alemães jamais esconderam o desprezo que sentem por esses "europeus do sul". Eles falam de "o Euro club Med". Existe uma outra hipótese: que Berlusconi, cujos imbróglios industriais, financeiros e televisivos já deram muito o que falar, acabe sendo vítima do governo arrogante e cheio de caprichos que ele comanda. E que seja obrigado a renunciar. Não se deve esquecer que a maioria do povo italiano é "eurófilo".

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