‘BRASIL TREINA MILITARES COLOMBIANOS’

Para embaixadora do Brasil na Colômbia, governo brasileiro está pronto para ajudar na mediação do acordo de paz com a guerrilha

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Por Pablo Pereira
Atualização:

O Brasil contribui com US$ 5 milhões para o programa internacional de ajuda à Colômbia no esforço de eliminação das minas no país, que tem seus 32 Departamentos (Estados) afetados pelo flagelo das minas após quase 60 anos de conflito armado. De acordo com Maria Elisa Berenguer, embaixadora brasileira em Bogotá, o governo brasileiro está pronto para ajudar na mediação do acordo de paz com a guerrilha, mas tem contribuído mesmo é na fase do pós-conflito, em treinamento para limpar partes do território colombiano das minas terrestres e no desenvolvimento da agricultura familiar, que facilitaria o desenvolvimento de locais afetados pelo conflito civil. A seguir, trechos da entrevista concedida por Berenguer ao Estado.

José Inacio Fernandez perdeu a mão quando carpia um terreno e bateu a enchada em uma mina Foto: CLAYTON DE SOUZA/ESTADAO

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A Colômbia vive dias de tensão sobre um acordo de paz com a guerrilha em Havana. O Brasil participa desse processo?

O Brasil tem dado apoio aos esforços de paz da Colômbia, respaldo que a presidente Dilma Rousseff reiterou em sua visita, em 9 de outubro. Estamos sempre dispostos a contribuir, como foi o caso quando nos foi solicitado, em 2013, com o envio de especialista para auxiliar as partes a chegarem a entendimento no ponto da agenda de negociações sobre distribuição de terras e agricultura. A verdade, no entanto, é que as negociações vêm avançando a passos largos, algo que o governo colombiano e as Farc estão conseguindo sem mediadores. A ajuda brasileira tem sido concentrada em outra dimensão da paz, a do pós-conflito. 

Em qual área? 

Temos dado contribuição importante para a superação dos efeitos do conflito por meio de nossa cooperação em agricultura familiar e desminagem. Esses programas incidem sobre áreas afetadas que são fundamentais para trazer de volta a normalidade e o desenvolvimento. No caso da agricultura familiar, merecem destaque o projeto de compras públicas, financiado pelo Brasil, que está sendo executado pela ONU nos Departamentos de Antioquia e Nariño, e o memorando celebrado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil e o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia.

Qual a participação no processo de desminagem e qual volume de recursos do Brasil neste programa? 

A Colômbia é, após o Afeganistão, o país com o maior número de vítimas de minas antipessoais (mais de 11.200 casos desde 1990) e se comprometeu, pela Convenção de Ottawa, de 1997, a desminar todo o país até 2021. O Brasil apoia os esforços colombianos há uma década por meio de ações da Junta Interamericana de Defesa (JID) da OEA e, desde 2015, também pela via bilateral. A ação brasileira não se fundamenta na doação de recursos, mas no auxílio, por meio da transferência de conhecimentos, para que a Colômbia desenvolva capacidades próprias em todas as atividades relacionadas à desminagem, o que inclui a atenção às vítimas. É motivo de orgulho que praticamente todos os pelotões colombianos de desminagem se beneficiaram, em alguma medida, da cooperação brasileira. 

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O Brasil enviou militares? 

No marco da OEA, o Brasil contribuiu com a cessão de 42 dos 51 militares que já integraram o chamado Grupo de Monitores Interamericanos (GMI), que, desde 2009, é formado exclusivamente por brasileiros. Criado para auxiliar o governo colombiano a criar capacidade nacional em desminagem e assegurar o cumprimento dos padrões internacionais, o GMI capacitou todos os oito pelotões do Exército colombiano e do até recentemente único pelotão da Armada. Também foi o responsável pelo apoio e monitoramento da desminagem de 80 áreas civis e das 35 bases militares que haviam sido rodeadas por minas plantadas pelo Estado. Estima-se que, apenas em cessão de pessoal ao GMI, a contribuição brasileira supere os US$ 5 milhões. Na atenção às vítimas, o GMI elabora protocolos nacionais de investigação de acidentes e apoio médico, além da formação de dezenas de enfermeiros. O GMI também já ministrou cursos de apoio pré-hospitalar e executou diversas atividades de conscientização e de apoio às comunidades afetadas pelas minas. Na OEA, o Brasil tornou-se o único país da região a ceder militares para o chamado Grupo de Assessores Técnicos Interamericanos (Gati), que concluiu, em outubro, um curso de desminagem. A conclusão dessa atividade é estratégica, pois conferiu à Colômbia capacidade para executar todas as etapas da desminagem com pessoal próprio. Até o fim de 2015, o Gati capacitará supervisores nacionais responsáveis pelo controle de qualidade do Batalhão de Desminagem do Exército. 

Qual a situação atual da fronteira Brasil-Colômbia?

Os 1.644 quilômetros de fronteira amazônica entre Brasil e Colômbia foram por muito tempo considerados uma barreira natural, um deserto verde, separando vizinhos cujas relações entre si eram cordiais, porém distantes. Ganharam alguma notoriedade entre os estudiosos, por exemplo, teorias sobre uma “proximidade distante” entre “vizinhos de costas um ao outro”. Felizmente, a situação evoluiu muito nas últimas décadas e o que antes separava hoje é um importante vetor de cooperação que une brasileiros e colombianos. A fronteira é tema de frequentes reuniões de alto nível entre as autoridades dos dois países, sempre no intuito de concretizar a determinação política de ambos os governos no sentido de promover o desenvolvimento e a atenção às populações lindeiras. 

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Existe cooperação também em outros setores? 

Sim. Além da Comissão de Vizinhança e Integração, cabe mencionar o diálogo no âmbito da Comissão Binacional Fronteiriça (Combifron), em cujas reuniões representantes das polícias, das Forças Armadas e de órgãos de controle de atividades financeiras trocam informações de inteligência e estabelecem estratégias conjuntas de combate a ilícitos na região, como a mineração ilegal, o tráfico de pessoas, drogas e armas, o desmatamento e a lavagem de dinheiro. A cooperação fronteiriça também contempla uma atenção especial a Letícia e Tabatinga, duas cidades reunidas em um núcleo urbano em plena floresta e onde a integração é uma realidade vivenciada diariamente. Os governos têm buscado reforçar a coordenação na educação, por exemplo, por meio da negociação de projetos de escolas e bibliotecas interculturais. 

Há algum projeto de cooperação comercial?

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Sobre o regime especial, existe um acordo para facilitar o trânsito de mercadorias, de 2008, já ratificado por ambos os países, que está em vias de ser promulgado no Brasil. Existe também um acordo de residência, estudo e trabalho para nacionais fronteiriços, de 2010, que está pendente de ratificação pelo Congresso brasileiro.

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