Brincando com o medo

Nos Estados Unidos e na Europa, os populistas de direita estão ganhando terreno e a ameaça é real

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Os populistas arrumaram um novo alvo para a sua histeria. Há muitos anos, de ambos os lados do Atlântico, esses políticos se promovem com a ideia de que as elites são incapazes – ou não fazem questão – de lidar com os problemas das pessoas comuns. Agora também exploram o receio de que o governo não seja capaz – ou não faça questão – de proteger seus cidadãos.

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Na semana passada, depois de um casal que jurara lealdade ao Estado Islâmico (EI) ter assassinado 14 pessoas em San Bernardino, na Califórnia, o líder na disputa pela indicação republicana à presidência dos EUA, Donald Trump, defendeu o “bloqueio total” das fronteiras do país para indivíduos muçulmanos. No mês passado, Trump já havia proposto fechar mesquitas e criar um cadastro de muçulmanos americanos. “Não temos escolha”, disse.

Na França, o equivalente de Trump é a ultradireitista Frente Nacional (FN). No primeiro turno das eleições regionais, realizado no dia 6, com os franceses ainda sob o efeito dos atentados de Paris, a FN conquistou nacionalmente, ainda que por pequena margem, o maior porcentual de votos, tendo vencido em 6 das 13 regiões. A líder do partido, Marine Le Pen, que encabeçou a lista da FN na região de Nord-Pas-de-Calais-Picardie, saiu das urnas com 44% dos votos – porcentual pouco acima dos 40% obtidos por sua sobrinha na região Provence-Alpes-Côte d’Azur.

Trump e Le Pen não estão sozinhos. Nos EUA e em algumas partes da Europa, desde a 2.ª Guerra, a direita populista não tinha tanta força. Contra o pano de fundo do terrorismo, esses alarmistas representam séria ameaça a dois pilares das sociedades ocidentais: a tolerância e a liberdade de expressão.

Velhos ranzinzas. Mesmo antes dos últimos atentados, os populistas de direita já vinham fazendo progressos. Desde outubro, Trump, Ted Cruz e Ben Carson – cujas posições, embora menos ultrajantes, são apenas sutilmente menos radicais – aparecem nas pesquisas, de maneira consistente, com mais de 50% dos votos dos eleitores republicanos. Na Europa, os populistas chegaram ao poder na Polônia e na Hungria, e integram a coalizão de governo na Suíça e na Finlândia (para não falar nas versões esquerdistas do fenômeno, como o grego Syriza). Lideram as pesquisas na França, na Holanda e contam com apoio recorde na Suécia. É provável que Le Pen conquiste uma vaga no segundo turno das eleições presidenciais de 2017. E não são desprezíveis suas chances de vencer.

Os populismos variam, mas todos brotam da insegurança econômica e cultural. O desemprego na Europa e os salários estagnados nos EUA afetam uma fatia da sociedade em que predominam homens brancos, com baixa qualificação profissional, acima dos 60 anos e cujos empregos são ameaçados pela globalização e pelos avanços tecnológicos.

Fustigando-os por baixo, queixam-se eles, estão os imigrantes e os parasitas que vivem às custas do governo, praticam crimes e desrespeitam os costumes locais. Pressionando-os pelo alto, tendo provocado a crise financeira e a estagnação europeia, estão as elites de Washington e Bruxelas, impotentes, preocupadas apenas consigo próprias e, ao que tudo indica, dispensadas de pagar por seus erros.

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O terrorismo jihadista põe lenha na fogueira desses ressentimentos, podendo até aumentar o apelo populista. Sempre que o EI organiza um atentado, ou serve de inspiração a ações violentas, cresce o medo de imigrantes e estrangeiros. Quando os terroristas não são detectados pelos sistemas de segurança, a incompetência da elite governante é posta em foco.

Novas tecnologias, prosperidade e comércio podem mais que a xenofobia

Quando, ao reagir, líderes políticos tomam o cuidado de alertar a população contra o impulso de atacar o Islã, chamando a atenção para o fato de que o fundamental é adotar medidas de controle de armas, como fez Barack Obama, os populistas dizem que isso não passa de palavrório politicamente correto. As ideias populistas precisam ser combatidas. Trump compara sua proposta ao tratamento conferido aos americanos de ascendência japonesa durante a 2.ª Guerra. É, de fato, uma comparação apropriada, já que a motivação foi, como o próprio governo americano admitiu, quase 50 anos depois, puro “preconceito racial”.

Um ressurgimento da xenofobia seria extremamente prejudicial aos EUA – e prestaria enorme serviço ao EI. Le Pen defende a adoção de barreiras econômicas nocivas e provocaria o caos se pusesse em prática sua ideia de tirar a França da zona do euro. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, prometeu criar um “Estado antiliberal” e tem a Rússia de Vladimir Putin por modelo. Mesmo quando não estão no poder, os populistas distorcem a agenda.

Não se deve subestimar as dificuldades do combate ao populismo. Alguns políticos do mainstream ideológico fazem pouco caso de seus argumentos, chamando-os de fascistas ou extremistas. Mas, com esse menosprezo, arriscam-se a passar a impressão de que a elite não se interessa pelas mazelas reais exploradas pelos populistas. Há também quem tente se apropriar das ideias menos repulsivas dos populistas, prometendo, por exemplo, negar benefícios sociais aos migrantes, em vez de reforçar os controles de fronteira. Com frequência, essa xenofobia “light” só faz legitimar os preconceitos populistas.

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A longa batalha. Há alternativa melhor? A Economist é a favor de praticamente tudo que os populistas detestam: livre mercado, fronteiras abertas, globalização e livre movimento de pessoas. Não adianta gastar tinta tentando mudar a cabeça dos líderes populistas. Os eleitores são indivíduos sensatos e a maioria prefere ouvir palavras de otimismo a aturar a gritaria populista sobre um mundo perigoso.

É preciso confiar no poder das ideias liberais. Novas tecnologias, prosperidade e comércio podem mais que a xenofobia quando se trata de vencer a insegurança das pessoas. Para combater o ressentimento, não há remédio melhor que o crescimento econômico. Para derrotar o terrorismo islâmico, é crucial recrutar ajuda de muçulmanos — e não enxergar neles indivíduos hostis. Os partidos tradicionais precisam defender essa posição com veemência e argumentos convincentes.

Os políticos também precisam se haver com a queixa veiculada pelos populistas, de que os governos frequentemente deixam seus cidadãos na mão. Considere-se o caso da ameaça à segurança. A relutância demonstrada por Obama em despachar mais soldados para combater o “califado” do EI na Síria e no Iraque não convence a maioria dos americanos, incluindo muitos comandantes militares da ativa e da reserva.

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Na Europa, as agências de inteligência e segurança têm dificuldade para compartilhar informações. A União Europeia precisa administrar o fluxo de pessoas em suas fronteiras, garantindo aos que se encaixam na categoria de refugiados a possibilidade de trabalhar, o que os ajudará a absorver os valores ocidentais.

Imaginar que seja possível realizar melhorias em todo o espectro da área de segurança e de políticas econômicas é como recomendar a busca da perfeição. No entanto, mesmo pequenos aprimoramentos podem fazer a diferença, se vierem acompanhados da defesa enfática dos valores do Iluminismo.

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Ao fim e ao cabo, a escolha será dos eleitores, cuja maioria repudia o populismo de direita. Trump é apoiado por apenas 30% dos cerca de 25% de americanos que se dizem republicanos. Mas a abstenção nas primárias americanas costuma superar os 80%. Na França, pouco menos de 50% dos eleitores votaram nestas eleições. São as urnas que podem derrotar os populistas. A maioria moderada tem a responsabilidade de comparecer aos locais de votação e fazer um X ao lado do nome dos candidatos que defendem a tolerância e a liberdade de expressão.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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