Catalães trocam tapas à beira do precipício

Governos da Espanha e da Catalunha analisam os próximos passos da crise constitucional 

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Por The Economist
Atualização:

O uso das redes sociais e da política de identidade torna o movimento pela independência da Catalunha bastante típico do século 21. No recente capítulo da disputa com o governo da Espanha, porém, seus líderes recorreram a uma ferramenta ultrapassada: uma troca de cartas, enviadas por fax. Nas missivas, o governador catalão, Carles Puigdemont, por duas vezes, se recusou a esclarecer ou revogar a ambígua declaração de independência promulgada, e imediatamente “suspensa”, em discurso proferido por ele no Parlamento da região, no dia 10. Em resposta, o governo espanhol comunicou que buscará poderes extraordinários para obrigar a Catalunha a respeitar a Constituição. 

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+Rajoy e Puigdemont, os protagonistas do conflito político pela independência da Catalunha

Em outras palavras, a Espanha está diante da pior crise constitucional desde a década de 30. É o resultado de anos de insatisfação na Catalunha, uma das mais ricas regiões espanholas, com 7,5 milhões de habitantes, além de idioma e cultura próprios. Apesar da autodeterminação, muitos catalães querem mais recursos, mais poderes e o reconhecimento como nação. O movimento ganhou força com a crise econômica da Espanha. Desde 2015, a coalizão que governa a região se inclina pela independência, possibilidade não reconhecida pela Constituição espanhola de 1978.

Premiê Mariano Rajoy aceitou fazer mudança constitucional Foto: EFE/Manuel Podio

Agora, o premiê da Espanha, Mariano Rajoy, solicitará ao Senado autorização para aplicar o Artigo 155 do texto constitucional. Jamais utilizado antes, o dispositivo permite que o governo tome “todas as medidas necessárias para forçar” uma região a respeitar a Constituição. Com redação pouco precisa, o artigo garante ampla margem de ação a Rajoy, que deve aumentar o controle sobre as finanças da Catalunha e trocar o comandante da polícia regional. “Se isso acontecer, teremos de organizar um governo paralelo”, diz o ministro das Relações Exteriores, Alfonso Dastis.

Depois do erro com o deslocamento de tropas de choque para impedir o plebiscito sobre a independência no dia 1.º, Rajoy procura agir com mais cautela. A violência foi limitada, mas gerou simpatia pela causa catalã no exterior. “Não queremos que aquelas fotos se repitam”, diz Dastis. O governo regional da Catalunha diz que 2,3 milhões ( 43% do eleitorado) participaram da votação, com 90% apoiando a independência. 

Do dia 1.º para cá, Rajoy vem se movimentando com mais habilidade. O premiê convenceu o líder da oposição socialista, Pedro Sánchez, a apoiar a aplicação do Artigo 155. Em troca, Rajoy dará seu apoio à instalação de uma comissão parlamentar para buscar um acordo com a Catalunha para uma reforma constitucional. Como o Partido Popular (PP), de Rajoy, tem a maioria do Senado e é apoiado pelo Ciudadanos, de centro-direita, a aprovação do Artigo 155 deve se dar por ampla maioria.

Puigdemont, por sua vez, enfrenta pressões conflitantes. O desejo de independência está tendo efeitos negativos na economia: na última quinzena, quase 700 empresas transferiram suas sedes da Catalunha para outras regiões da Espanha; e, nos hotéis de Barcelona, as reservas feitas por turistas estão em queda. Os moderados querem que Puigdemont convoque novas eleições regionais; os radicais defendem uma proclamação formal de independência, apoiada por uma campanha de desobediência civil. É possível que as três coisas aconteçam.

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Na segunda-feira, os radicais foram beneficiados por uma decisão da Justiça espanhola, que determinou a prisão preventiva de dois líderes separatistas. Ambos são investigados por terem convocado e incentivado um protesto realizado em Barcelona, em setembro, durante o qual os manifestantes destruíram três viaturas policiais.

“Infelizmente, temos presos políticos na Espanha”, Puigdemont escreveu no Twitter. Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Barcelona para protestar contra as prisões. O Judiciário é um poder independente, mas os separatistas dizem que “o Estado espanhol” soma forças para combatê-los. “Não é tão simples assim”, diz o consultor político Jorge Galindo. “Os procuradores e alguns juízes estão adotando posicionamento mais duro do que o governo.”

Com as prisões, é provável que Rajoy opte por postergar a aplicação do Artigo 155, na esperança de que os protestos arrefeçam. De qualquer forma, o futuro próximo está recheado de perigos, especialmente para a Catalunha. Apesar das declarações de Puigdemont, não há evidências de que a maioria dos catalães apoie a independência. “Hoje, o maior problema não é o conflito entre a Catalunha e a Espanha, mas as divergências entre os próprios catalães”, escreveu Màrius Carol, editor do jornal La Vanguardia, de Barcelona. Eventuais excessos judiciais não esconderão essa realidade por muito tempo. / ALEXANDRE HUBNER

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