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Cenário desfavorável para Evo

É difícil saber se líder boliviano reverterá quadro atual, mas status quo não permanecerá

Por Carlos Malamud
Atualização:

Com 82% dos votos já computados pelo Supremo Tribunal Eleitoral, a vantagem do “não” em relação ao “sim” no referendo que decidirá se Evo Morales poderá concorrer a um quarto mandato na Bolívia reduziu-se a 8,4 pontos porcentuais (54,2% a 45,8%). Na noite de domingo, a recontagem antecipada dava vitória ao “não” por margem muito mais estreita, levando o vice-presidente, Álvaro García Linera, a falar de empate técnico.

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Segundo dados até agora conhecidos e com um comparecimento superior a 83%, o “sim” se impôs em três Departamentos (La Paz, Cochabamba e Oruro), enquanto o “não” predominou nos seis restantes. Também foi possível saber que as maiores porcentagens do “não” ocorreram nas capitais, enquanto o “sim” triunfou nas zonas rurais e cidades intermediárias. Desse modo, o voto mais consistente a favor de Evo Morales e seu Movimento ao Socialismo teria evitado o colapso do governo.

Essa situação também levou o vice-presidente a assinalar que os resultados podem mudar em razão do voto rural e do exterior, que são os últimos a chegar. No que diz respeito ao voto no exterior, as maiores esperanças estão nos bolivianos residentes no Brasil e na Argentina, que têm uma tendência mais favorável à política do governo.

A dúvida mais importante é se, com o que ainda resta para computar, o governo terá margem para reverter o resultado. Com esses resultados parciais abrem-se três possibilidades – todas elas desfavoráveis aos interesses continuístas. A mais favorável é marcada por uma vitória apertada do “sim”, uma prova evidente de que o declínio de Evo já começou. Acostumado como estava o governo a vitórias com amplas margens, um triunfo por uma margem muito estreita suscitaria grandes dúvidas a respeito do poder do presidente.

A segunda possibilidade se caracterizaria por uma vitória da oposição, também por uma margem estreita, inferior aos 5 pontos de diferença. É verdade que, de todo modo, se trataria de uma nítida derrota, mas a máquina da propaganda oficial poderia tentar maquiar o resultado, apresentando-o como uma vitória de Pirro da oposição.

E, finalmente, um triunfo esmagador da oposição. Se esse cenário se concretizar, a derrota clara do governo deixaria Evo sem argumentos e sem legitimidade. Diante dessa possibilidade, líderes da oposição assinalaram a necessidade de que Evo conclua o seu mandato e se retire pela “porta da frente”.

Diante desses cenários, é interessante considerar as possibilidades futuras do governo e da oposição nas eleições presidenciais de 2019. Para a oposição, foi relativamente simples unificar propostas em torno do “não”. Uma coisa muito diferente é o que pode ocorrer com a eleição de um candidato entre vários e a redação de um programa eleitoral. Será o momento em que voltarão a aflorar velhas e novas divisões, todas mais profundas que no passado.

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O partido do governo também as mostrará. Se Evo puder se apresentar em 2019, terá de lutar contra um legado marcado por um período de vacas magras. Na realidade, é precisamente essa a razão principal que explica a convocação do referendo no início de 2016, não em 2017. O que Evo queria evitar a todo custo era lutar por um referendo numa conjuntura recessiva. E se Evo não for candidato, as dificuldades para encontrar um sucessor aumentarão com o tempo.

Outra questão importante: quais serão as consequência do resultado desta eleição para a discussão sobre a mudança de um ciclo político na América Latina? Essa ideia começou a desenvolver-se a partir dos triunfos eleitorais da oposição na Argentina (presidenciais) e na Venezuela (parlamentares). Caso o “não” se consolide, a oposição boliviana terá obtido um triunfo mais do que singular e com importantes efeitos para o continente. Isso implica em que o desenlace das eleições bolivianas possa influir em pleitos futuros no restante da região.

Não sabemos como se definirá o referendo na Bolívia, mas está claro que, seja qual for o resultado, as coisas não se manterão iguais e Evo e seus seguidores não governarão de forma continuada nos próximos 500 anos, como era sua aspiração./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

*CARLOS MALAMUD É INVESTIGADOR DE AMÉRICA LATINA DO REAL INSTITUTO ELCANO

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