Cenário: O que está em jogo para o governo iraniano agora

As opções legais do Irã e as críticas que autoridades enfrentam após admitir que as Forças Armadas do país derrubaram por erro um avião comercial

PUBLICIDADE

Por Miriam Berger e W. POST
Atualização:
Resgate de corpos na área do acidente em Shahedshahr, sudoeste da capital iraniana, Teerã Foto: Ebrahim Noroozi/AP

Na manhã de sábado, Teerã admitiu que um míssil iraniano derrubou o avião ucraniano devido a um “erro humano”, matando todos os 176 passageiros. Era uma rara admissão para o governo autoritário, cujas conversas poucas horas antes haviam descartado as acusações como “guerra psicológica”. Ainda assim, muito continua em jogo.

PUBLICIDADE

Implicações internacionais

A derrubada do voo 752 da Ukrainian International Airlines ocorreu apenas quatro horas depois que o Irã disparou mísseis balísticos contra as forças americanas no Iraque em retaliação ao ataque dos EUA que matou o principal estrategista militar do Irã, general Qassim Suleimani.

Nesse momento de muita tensão, o operador de um sistema antiaéreo da Guarda da Revolução Islâmica do Irã identificou erroneamente o Boeing 737-800, segundo autoridades iranianas.

Analistas dizem que evidências irrefutáveis, coletadas após o incidente tornaram as negativas do Irã cada vez mais difíceis. Agora o Irã precisa calcular seus próximos passos. Países já cancelaram voos para o Irã, aumentando a pressão por uma investigação completa e transparente.

Em nível diplomático, uma opção é que “a admissão de culpa possa abrir caminho para o diálogo”, disse o estudioso iraniano Afshon Ostovar, que é presidente associado de pesquisas da Escola de Pós-Graduação Naval. “Acredito que eles poderiam cuidar disso de muitas maneiras, para diminuir as hostilidades”.

Autoridades iranianas, ao mesmo tempo, tentaram desviar a culpa para Washington, citando as tensões com o assassinato de Suleimani. “O erro humano no momento da crise causado pelo aventureiro dos EUA levou ao desastre”, tuitou o ministro do Exterior do Irã, Javad Zarif.

Publicidade

Suzanne Maloney, vice-diretora do programa de política externa da Brookings Institution, disse “duvidar de que o Irã mude qualquer de suas posições na região” por causa das consequências, embora se espere por maior “segurança operacional” no futuro.

Implicações legais

Além do Irã, a Ucrânia e o Canadá foram os países que mais perderam cidadãos no incidente. Como resultado, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu uma compensação financeira para as vítimas.

PUBLICIDADE

É provável que os demandantes processem o Irã por responsabilidade, disse Carl Tobias, professor de direito da Universidade de Richmond. Também são possíveis acusações criminais e de responsabilidade por manter o espaço aéreo aberto em teoria, disse Tobias, embora um processo seja difícil devido a questões de jurisdição.

Em um cenário semelhante, em 1998, os militares dos EUA abateram o voo 655 da Iran Air sobrevoando o Estreito de Ormuz, matando todos os 270 passageiros. Os Estados Unidos inicialmente negaram o envolvimento, mas depois admitiram que um cruzador da Marinha confundiu o avião com um míssil iraniano. Os Estados Unidos se recusaram a aceitar responsabilidades ou pedir desculpas, enfurecendo os iranianos. O Irã entrou com processo na Corte Internacional de Justiça e, em um acordo, Washington concordou em pagar US$ 61,8 milhões às famílias das vítimas.

Ostovar disse que o Irã pode olhar para este caso e tentar “diferenciar sua resposta da resposta dos EUA. De qualquer maneira, “eles vão querer alguém como bode expiatório. Quem será esse bode expiatório, eu não sei. "

Repercussão doméstica

Publicidade

Acima de tudo, a admissão do Irã - apenas alguns dias depois de se gabar do sucesso que teria tido seu calculado ataque de mísseis - aumenta os ricos internamente.

O Irã tem tentado distanciar o líder supremo aiatolá Ali Khamenei da situação, dizendo que ele só soube da verdade na sexta-feira e depois insistiu imediatamente na transparência. 

Nada disso impediu reações raivosas.

“As autoridades que enganam o público são tão significativas e importantes quanto o próprio desastre”, tuitou o editor da Tasnim News, afiliada ao IRGC. “Os funcionários que enganaram a mídia também são culpados. Todos nós estamos envergonhados.”

Esse sentimento negativo levou alguns a dar o raro passo de protestar contra Khamenei e a liderança da Guarda Republicana nas ruas de Teerã no sábado.

“Bi-sharraf” - “sem vergonha” - eles entoaram em persa. “Morte aos mentirosos”, foi outro refrão.

Parte do que mais incomoda, disse Maloney, era o fato de o Irã ter usado tanta precisão, cuidado e habilidade em seu ataque de retaliação - enquanto os mísseis iranianos pousaram em torno das bases iraquianas, nenhuma vítima foi registrada e isso foi visto como um aparente ato de reserva e abandono de uma escalada pelo Irã - e depois demonstrar tal desrespeito pela vida de seus próprios cidadãos.

Publicidade

Tudo isso deixa o Irã - à beira de uma guerra com Washington, envolvido em batalhas regionais com seus prepostos, assediado por sanções dos EUA, cheio de queixas de corrupção e agora enfrentando uma reação doméstica - em um lugar muito precioso.

Apenas alguns dias atrás, muitos iranianos se uniram em luto por Suleimani.

Agora, o analista do Oriente Médio Vali Nasr tuitou, “colocando o funeral de Soleimani ao lado de protestos contra o regime, parece que os iranianos estão fartos tanto de Trump como de seus próprios governantes, e da infindável tragédia de suas vidas diárias”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.