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Cenário: Passo novo para encerrar guerra na Colômbia é visto com cautela

Santos, Nobel da Paz deste ano, tenta projetar uma imagem conciliatória depois da humilhante derrota nas urnas

Por Joshua Goodman , Alba Tobella e AP
Atualização:

BOGOTÁ - Com menos fervor e uma nova dose de incerteza, o governo da Colômbia assinou outro acordo de paz com o maior grupo rebelde do país. Foi o segundo acordo assinado em dois meses. A cerimônia simples, organizada às pressas, num teatro de Bogot, reflete o grande sentido de urgência do presidente Juan Manuel Santos em encerrar as hostilidades com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) depois que o acordo original, produto de anos de conversações, foi derrotado num referendo uma semana após ser assinado na presença de chefes de Estado e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Santos, Nobel da Paz deste ano, tenta projetar uma imagem conciliatória depois da humilhante derrota nas urnas. O novo acordo, de 310 páginas, apresenta cerca de 50 mudanças destinadas a abrandar as críticas do grupo do ainda poderoso ex-presidente Álvaro Uribe. As alterações vão da proibição de juízes estrangeiros julgarem as Farc ao compromisso dos rebeldes de entregarem bens, em parte amealhados no tráfico de drogas, para indenização de vítimas da guerrilha. As Farc, porém, não concordaram com as principais exigências da oposição a Santos - prisão para líderes rebeldes que cometeram atrocidades e limites a sua futura participação na política.

Rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ficam em formação em San Vicente del Caguán Foto: AP Photo/Scott Dalton

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Em protesto, membros do partido político de Uribe estão pensando em boicotar o debate no Congresso marcado para a próxima semana para a ratificação do acordo. Eles acusam a legislatura de descumprir a Constituição. Ameaçam também convocar manifestações de rua para denunciar o que chamam de “golpe contra a democracia”.

A falta de amplo apoio ao acordo torna ainda mais difícil o já complexo desafio de implementá-lo. A população colombiana abomina os sequestros e o tráfico de drogas praticados pelas Farc. Ela espera que o governo garanta que os mais de 8 mil ex-guerrilheiros não acabem engrossando gangues criminosas ou se juntem ao Exército de Libertação Nacional (ELN), um grupo rebelde muito menor que as Farc. Para isso, o Estado terá de marcar presença em regiões rurais tradicionalmente ignoradas numa época de crise financeira provocada pela queda nos preços do petróleo.

Há também o risco de que o acordo possa trazer consigo uma matança como a que ocorreu após um processo anterior de negociações com as Farc, nos anos 80, quando milhares de ex-guerrilheiros, ativistas sindicais e militantes comunistas foram mortos por milícias de direita, às vezes em colaboração com agentes do Estado.

Esse novo medo, embora menos presente que nos dias mais sombrios do meio século de guerra civil colombiana, tornou-se mais palpável desde que uma dezena de militantes pró-direitos humanos e ativistas rurais em áreas dominadas pelas Farc foram mortos por desconhecidos desde a primeira cerimônia de assinatura, em setembro.

Santos fez nesta semana uma reunião de emergência com seu gabinete e funcionários da ONU para discutir os assassinatos, aproveitando a oportunidade para reforçar sua mensagem de que a paz não pode esperar. Neste ano, mais de 70 desses militantes foram mortos - mais que em 2015 e 2014 somados, segundo a organização Somos Defensores, de Bogotá.

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“Temos de agir, não há tempo a perder”, disse Santos em pronunciamento na televisão no qual anunciou a cerimônia de ontem com menos de 40 horas de antecipação. Após a assinatura, Santos apresentará o acordo ao Congresso, onde se espera que uma sólida maioria o ratifique. Em seguida, os parlamentares vão criar leis para que os guerrilheiros comecem a se concentrar em cerca de 20 áreas de desmobilização para entregar suas armas a monitores da ONU. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ