Chavismo usa tese do ‘inimigo externo’ contra crise econômica venezuelana

Em tentativa de mudar foco das discussões no país às vésperas de uma eleição parlamentar decisiva, presidente Nicolás Maduro acusa a Colômbia de não conter contrabandistas e endurece retórica contra Guiana por território reivindicado por Caracas

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Por CARACAS
Atualização:

Em meio aos debates dos partidários do governo venezuelano reunidos na sede da Assembleia para o Poder Popular da região de Sabana Grande, em Caracas, na manhã de ontem, não há dúvida: existe uma relação direta entre o contrabando de produtos feitos na Venezuela para a Colômbia e a falta de alimentos e outros itens nas prateleiras dos mercados do país.

Para os chavistas, a questão vai ainda além: as autoridades de Bogotá fazem vista grossa para o desvio de mercadorias com a finalidade de abalar o governo venezuelano. “A guerra econômica não é travada só internamente”, disse ao Estado Davi Monagas, que se apresenta como representante comunitário. “Há elementos paramilitares de Santander (região colombiana vizinha do território venezuelano de Táchira) que agem livremente na fronteira para aprofundar a situação de desabastecimento na Venezuela.”

Venezuelanos caminham por supermercado em Caracas Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

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A assembleia chavista foi convocada por outra razão – a organização de “feiras escolares” para amenizar a falta de livros e cadernos no período de volta às aulas no país –, mas a decisão da véspera do presidente Nicolás Maduro de fechar a fronteira com a Colômbia na área de Táchira por 72 horas dominou as discussões paralelas. 

Quatro agentes do Estado venezuelano – incluindo três militares das Forças Armadas – foram feridos na quarta-feira, num ataque atribuído a paramilitares colombianos que investigavam o contrabando. Maduro exigiu do governo de seu colega Juan Manuel Santos mais ação contra os desvios. Uma reunião entre a chancelaria dos dois países deve se realizar em 14 de setembro para tratar do assunto.

Manobras. Para alguns analistas, no entanto, a medida adotada por Maduro é mais um passo numa campanha que tem como objetivo consolidar na opinião pública a ideia do “inimigo externo” após, nos últimos meses, o Palácio Miraflores ter intensificado as denúncias contra a Guiana pela exploração de recursos naturais no Essequibo, região cuja soberania é reivindicada por Caracas. 

“É difícil imaginar que isso avance até o ponto de uma ruptura violenta tanto no caso da Colômbia quanto no da Guiana”, explica o historiador venezuelano Carlos Sadi, que trabalha como consultor de agências de classificação de risco. “Mas a identificação de inimigos externos tem o efeito de catalisar a ala nacionalista do chavismo, numa tentativa de justificar a decadência da economia venezuelana, que beira a hiperinflação e o descontrole cambial.”

Para Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela, o discurso do governo venezuelano em relação a seus vizinhos reflete a fragilidade de sua situação ante a crise política e econômica do país. Embora, principalmente no caso da Guiana, Maduro não tenha descartado a opção militar, Romero crê que se “trata de uma bravata de um governo encurralado”. Na visão dele, apesar dos compromissos de análise do caso do Essequibo por fóruns internacionais, os tribunais desses organismos são avessos à modificação de fronteiras já estabelecidas.

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Assim, o discurso acaba valendo mais para o consumo interno, com vistas às eleições parlamentares de dezembro, nas quais o regime chavista corre o risco de perder o controle da Assembleia Nacional pela primeira vez desde sua criação pela Constituição de 1999. 

Acusações. No encontro dos partidários do governo ontem em Sabana Grande, região comercial da capital, os ativistas estimam que 40% dos alimentos e outras mercadorias com preços subsidiados pelo Estado são desviados pela fronteira colombiana, numa ação denominada por Caracas “contrabando de extração”. Eles dão um exemplo: um pacote de farinha de milho tabelado em 1 bolívar pelo governo é vendido pelo triplo do preço do lado colombiano e, mesmo assim, ainda custa a metade do que é cobrado nos mercados da Colômbia.

“Com essa margem de lucro, os especuladores desviam suas mercadorias para a Colômbia e aumentam a escassez no mercado venezuelano”, explica o ativista Monagas. 

Não há números oficiais divulgados, mas ONGs e outras entidades da sociedade civil estimam que a inflação venezuelana anualizada já tenha passado dos 300%. O dólar, cotado oficialmente em 6,3 bolívares para produtos de primeira necessidade, chega a valer 100 vezes mais do que isso no mercado paralelo. Para tentar atenuar a discrepância, o governo criou outras duas bandas cambiais – para operações financeiras, de 12,6 bolívares por dólar, e para serviços turísticos, que flutua em torno dos 200 bolívares.

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