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Como o terrorismo nos endurece

Se nossa visão é xenófoba ou moralista, somos inclinados a ser mais xenófobos e moralistas

Por Jessica Stern
Atualização:

Os americanos vivem uma era de medo por indução, de tiros em escolas e terroristas suicidas, de terror racista e assassinatos em massa. Os americanos não estão acostumados a viver em tal clima de incerteza desconcertante. Os civis não são o dano colateral dessa guerra aparentemente sem fim, mas o alvo preferido.

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Nós, os americanos, nos sentimos vulneráveis em vários lugares onde costumávamos nos sentir seguros: em cafés, shows, eventos esportivos, em casa ou no trabalho. Os assassinos não são apenas os que vêm de fora, mas já estão nos EUA, alguns até mesmo nasceram aqui e parecem estar prontos para atacar a qualquer momento. O ataque mais recente, em San Bernardino, na Califórnia, cinco dias após um ataque a tiros no Colorado, apenas reforça este sentimento de vulnerabilidade. O que realmente nos preocupa é se a ideologia dos assassinos é compartilhada por outras pessoas, o que sugere que mais ataques podem ocorrer, e como vamos reagir daqui para frente.

Os psicólogos Tom Pyszczynski, Sheldon Solomon e Jeff Greenberg são conhecidos por terem desenvolvido a chamada teoria da gestão do terror. Ela sugere que boa parte do comportamento humano é motivada pelo pavor inconsciente da morte. O que nos salva desse pavor é a cultura. A cultura nos fornece meios de ver o mundo que “resolve” a crise existencial produzida pela consciência da morte.

A teoria diz que quando as pessoas são lembradas de sua mortalidade – especialmente se a lembrança não for registrada conscientemente, como ocorre após um ato brutal de terrorismo – elas vão mais prontamente colocar em prática suas visões culturais de mundo. Se nossa visão de mundo é xenófoba, nacionalista ou moralista, somos inclinados a nos tornarmos ainda mais xenófobos, nacionalistas e moralistas.

Se você acredita que armas vão nos proteger dos perigos, um ataque terrorista vai fortalecer mais sua opinião. Se responsabilizamos os muçulmanos ou supremacistas brancos ou o governo ou o que quer que esteja errado em nosso mundo, nos tornaremos mais temerosos e mais determinados sobre quem é responsável pelo que está ocorrendo. Por exemplo: experiências psicológicas descobriram que ser lembrado tanto da própria mortalidade e dos ataques do 11 de Setembro aumenta o apoio a intervenções militares no Oriente Médio entre pessoas que se identificam como politicamente conservadoras. Mas a ação não teve efeito sobre pessoas que se identificam como liberais.

Um ataque pode reforçar nossas convicções em nossas crenças mesmo antes de termos informações confiáveis sobre o que ocorreu. Os ataques de San Bernardino foram realizados por um casal. Sabemos que o homem conhecia algumas das 14 vítimas e pode ter tido uma discussão com um colega antes da ação. A mulher havia jurado fidelidade ao Estado Islâmico em um post no Facebook. O FBI vem tratando o ataque como um ato de terrorismo. Mas nós não sabemos por que essas duas pessoas atacaram uma festa de confraternização e se, como parece, fizeram tudo sozinhos sem conexão com um grupo maior, o que torna difícil analisar suas motivações.

Atores solitários ou em dupla, geralmente, são fruto de uma combinação de injustiças religiosas ou políticas com as próprias vinganças pessoais, que resultam na maneira como essas pessoas veem o mundo. Como escrevi em meu livro Terror em Nome de Deus, John Allen Muhammad, que com um adolescente realizou uma série de disparos em Washington, em 2002, parece ter sido motivado por uma mistura de aspectos pessoais e políticos. Ele disse a um amigo que apoiava os ataques do 11 de Setembro e expressou admiração pelo pequeno grupo que conseguiu provocar mais danos aos EUA do que qualquer Exército poderia ter feito. Mas também parece ter sido motivado pela raiva contra a ex-mulher.

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Uma série de estudos mostra que atores solitários são significativamente mais propensos a sofrer de doenças mentais do que terroristas que integram grupos. Atores solitários são especialmente difíceis de ser contidos, pois geralmente não se comunicam diretamente com um grupo. Mas há um limite para os danos que um ator solitário pode provocar. Um indivíduo ou pequeno grupo pode aterrorizar uma cidade, mas provavelmente não serão capazes de realizar ataques como os do 11 de Setembro, que exigem coordenação entre um grande número de pessoas. À medida que a tecnologia continua a melhorar e a se dispersar, redes virtuais e até mesmo vingadores solitários podem se transformar numa grande ameaça.

Após os ataques do 11 de Setembro, nós, como nação, nos perguntamos como permitimos que aquilo ocorresse. Com os ataques em Paris, e agora em San Bernardino, a questão se transformou. Não é como isso aconteceu, mas com que frequência vai ocorrer.

As repostas podem ser cruéis. Analistas de terrorismo há muito tempo observam a existência de crimes “imitados”. Há várias razões para acreditar que a violência – até mesmo a violência terrorista – é, pelo menos em parte, contagiosa. Em muitos anos de estudo, percebi que os ataques terroristas são uma forma de guerra psicológica para reforçar a moral dos partidários e desmoralizar e assustar o público-alvo. O objetivo dos terroristas é nos deixar com medo, que tenhamos uma reação exagerada em razão do pânico.

Se vamos triunfar na guerra contra o terrorismo, precisamos lembrar que as liberdades que aspiramos vêm com grandes responsabilidades que envolvem não apenas lutar contra os terroristas, mas também gerir nosso próprio pânico. / TRADUÇÃO DE PRISCILA ARONE]

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Os americanos vivem uma era de medo por indução, de tiros em escolas e terroristas suicidas, de terror racista e assassinatos em massa. Os americanos não estão acostumados a viver em tal clima de incerteza desconcertante. Os civis não são o dano colateral dessa guerra aparentemente sem fim, mas o alvo preferido.

Nós, os americanos, nos sentimos vulneráveis em vários lugares onde costumávamos nos sentir seguros: em cafés, shows, eventos esportivos, em casa ou no trabalho. Os assassinos não são apenas os que vêm de fora, mas já estão nos EUA, alguns até mesmo nasceram aqui e parecem estar prontos para atacar a qualquer momento. O ataque mais recente, em San Bernardino, na Califórnia, cinco dias após um ataque a tiros no Colorado, apenas reforça este sentimento de vulnerabilidade. O que realmente nos preocupa é se a ideologia dos assassinos é compartilhada por outras pessoas, o que sugere que mais ataques podem ocorrer, e como vamos reagir daqui para frente.

Os psicólogos Tom Pyszczynski, Sheldon Solomon e Jeff Greenberg são conhecidos por terem desenvolvido a chamada teoria da gestão do terror. Ela sugere que boa parte do comportamento humano é motivada pelo pavor inconsciente da morte. O que nos salva desse pavor é a cultura. A cultura nos fornece meios de ver o mundo que “resolve” a crise existencial produzida pela consciência da morte.

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A teoria diz que quando as pessoas são lembradas de sua mortalidade – especialmente se a lembrança não for registrada conscientemente, como ocorre após um ato brutal de terrorismo – elas vão mais prontamente colocar em prática suas visões culturais de mundo. Se nossa visão de mundo é xenófoba, nacionalista ou moralista, somos inclinados a nos tornarmos ainda mais xenófobos, nacionalistas e moralistas.

Se você acredita que armas vão nos proteger dos perigos, um ataque terrorista vai fortalecer mais sua opinião. Se responsabilizamos os muçulmanos ou supremacistas brancos ou o governo ou o que quer que esteja errado em nosso mundo, nos tornaremos mais temerosos e mais determinados sobre quem é responsável pelo que está ocorrendo. Por exemplo: experiências psicológicas descobriram que ser lembrado tanto da própria mortalidade e dos ataques do 11 de Setembro aumenta o apoio a intervenções militares no Oriente Médio entre pessoas que se identificam como politicamente conservadoras. Mas a ação não teve efeito sobre pessoas que se identificam como liberais.

Um ataque pode reforçar nossas convicções em nossas crenças mesmo antes de termos informações confiáveis sobre o que ocorreu. Os ataques de San Bernardino foram realizados por um casal. Sabemos que o homem conhecia algumas das 14 vítimas e pode ter tido uma discussão com um colega antes da ação. A mulher havia jurado fidelidade ao Estado Islâmico em um post no Facebook. O FBI vem tratando o ataque como um ato de terrorismo. Mas nós não sabemos por que essas duas pessoas atacaram uma festa de confraternização e se, como parece, fizeram tudo sozinhos sem conexão com um grupo maior, o que torna difícil analisar suas motivações.

Atores solitários ou em dupla, geralmente, são fruto de uma combinação de injustiças religiosas ou políticas com as próprias vinganças pessoais, que resultam na maneira como essas pessoas veem o mundo. Como escrevi em meu livro Terror em Nome de Deus, John Allen Muhammad, que com um adolescente realizou uma série de disparos em Washington, em 2002, parece ter sido motivado por uma mistura de aspectos pessoais e políticos. Ele disse a um amigo que apoiava os ataques do 11 de Setembro e expressou admiração pelo pequeno grupo que conseguiu provocar mais danos aos EUA do que qualquer Exército poderia ter feito. Mas também parece ter sido motivado pela raiva contra a ex-mulher.

Uma série de estudos mostra que atores solitários são significativamente mais propensos a sofrer de doenças mentais do que terroristas que integram grupos. Atores solitários são especialmente difíceis de ser contidos, pois geralmente não se comunicam diretamente com um grupo. Mas há um limite para os danos que um ator solitário pode provocar. Um indivíduo ou pequeno grupo pode aterrorizar uma cidade, mas provavelmente não serão capazes de realizar ataques como os do 11 de Setembro, que exigem coordenação entre um grande número de pessoas. À medida que a tecnologia continua a melhorar e a se dispersar, redes virtuais e até mesmo vingadores solitários podem se transformar numa grande ameaça.

Após os ataques do 11 de Setembro, nós, como nação, nos perguntamos como permitimos que aquilo ocorresse. Com os ataques em Paris, e agora em San Bernardino, a questão se transformou. Não é como isso aconteceu, mas com que frequência vai ocorrer.

As repostas podem ser cruéis. Analistas de terrorismo há muito tempo observam a existência de crimes “imitados”. Há várias razões para acreditar que a violência – até mesmo a violência terrorista – é, pelo menos em parte, contagiosa. Em muitos anos de estudo, percebi que os ataques terroristas são uma forma de guerra psicológica para reforçar a moral dos partidários e desmoralizar e assustar o público-alvo. O objetivo dos terroristas é nos deixar com medo, que tenhamos uma reação exagerada em razão do pânico.

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Se vamos triunfar na guerra contra o terrorismo, precisamos lembrar que as liberdades que aspiramos vêm com grandes responsabilidades que envolvem não apenas lutar contra os terroristas, mas também gerir nosso próprio pânico. / TRADUÇÃO DE PRISCILA ARONE

JESSICA STERN É ESPECIALISTA EM TERRORISMO