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Considerações sobre o EI

Por IAN BREMMER
Atualização:

O Estado islâmico (EI), antes conhecido como Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isil, na sigla em inglês), tornou-se o grupo terrorista mais bem financiado e perigoso da história. Se não for parado, colocará em risco o futuro do Iraque e poderá incendiar o Oriente Médio. Sua ascensão cria novos riscos para o Ocidente. Enfrentar o desafio que ele representa testará tanto a liderança americana como a disposição cooperativa de governos com pouco em comum além da profunda ansiedade com o que esses militantes poderão fazer em seguida. A sobrevivência do Iraque no longo prazo depende da habilidade do país de atrair investimento estrangeiro - para a indústria petrolífera e setores que criarão os empregos para construir uma classe média moderna. A habilidade do EI de impedir o governo xiita de Bagdá de governar grandes áreas dominadas por sunitas no centro e no norte do país tornará isso quase impossível. Também no longo prazo, a ameaça do EI encorajará os curdos do norte do Iraque a cuidarem dos próprios interesses, criando uma divisão "de facto" do país. Nenhum "governo de unidade" no Iraque poderá lidar sozinho com o EI. O grupo também contabilizou vitórias na Síria e continua a se movimentar livremente na fronteira entre os dois países. Com o tempo, o EI tornou-se uma ameaça também para o Oriente Médio, na medida em que o grupo atrai recrutas de toda a região que acabarão voltando para suas casas para ameaçar seus próprios governos. Protesto que varreu a região a partir de 2011, a Primavera Árabe criou oportunidades para milhões que eram excluídos do processo político em seus países. Isso vale tanto para os radicais islâmicos como para quem queria um Oriente Médio mais moderno. Quando Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, foi eleito presidente do Egito, em junho de 2012, acreditou-se que chegara o momento de a democracia promover os interesses de fundamentalistas religiosos. Mas quando os militares egípcios depuseram e prenderam Morsi, um ano depois, os ativistas mais radicais da região decidiram ir além da política, recorrendo à violência. A essa altura, ficou claro que a Primavera Árabe até agora fez mais para capacitar os radicais do que os moderados. O EI se tornou um ímã para alguns desses lutadores descontentes. Em sua infância, o EI serviu aos interesses de governos sunitas na região que queriam manter em desequilíbrio o governo xiita do Iraque para negar ao Irã um aliado poderoso. Agora o EI cresceu para se tornar ele próprio um problema, potencialmente arrastando pesos pesados do Oriente Médio para uma batalha por procuração com apostas cada vez mais altas. O EI é uma ameaça também ao Ocidente, porque um número assustador de seus membros possui passaportes europeus. Alguns são cidadãos americanos. Agora, autoridades americanas e europeias estão trabalhando para monitorar a movimentação desses indivíduos para garantir que eles não lancem ataques terroristas bem financiados dentro de países ocidentais. Este risco crescerá nos próximos anos. O que pode ser feito? Primeiro, há um papel crucial para a única superpotência militar do mundo. Sem a liderança americana, provavelmente será impossível coordenar uma resposta multilateral. Dito isso, o presidente Barack Obama até agora resistiu sabiamente às pressões para fazer mais do que bombardear o EI, expulsando-o de alvos no interior do Iraque. Se os EUA enveredarem para uma resposta militar em larga escala, haverá menos pressão para contribuírem com o esforço para destruir e dizimar o EI. Este é o centro da "estratégia de não estratégia" de Obama até aqui. Washington precisa, isto sim, construir discretamente uma coalizão informal, por trás do pano, que inclua iraquianos - xiitas, sunitas e curdos. Precisa incluir aliados europeus capazes como França, Grã-Bretanha e Alemanha. A Turquia pode ajudar. O Catar pode ser convencido a cortar boa parte do financiamento que o EI recebe. Mas o sucesso vai depender da contribuição dos dois grande rivais da região, Irã e Arábia Saudita. O EI representa uma séria ameaça ao Irã, mas a República Islâmica não se alinhará publicamente a um esforço militar liderado por Washington. Qualquer parceria temporária terá de ser limitada e discreta. Os EUA também precisarão da ajuda dos sauditas, que continuarão relutando em fazer parte de uma coalizão, mesmo temporária, que inclua o Irã. Mas os dois países já trabalharam juntos no passado em problemas de segurança que surgiram no Iraque - Saddam Hussein. Se Obama puder tranquilizar Riad de que Washington não tomou partido dos xiitas da região e continua comprometido em conter a "ameaça iraniana", a cooperação saudita pode se mostrar crucial para sufocar o EI. Ironicamente, Washington precisará de mais um parceiro. Obama estava ameaçando bombardear Bashar Assad da Síria. Dada a presença do EI em seu país e a necessidade de atacar o grupo de todos os lados, a ajuda de Assad pode ser crucial mesmo que ninguém reconheça publicamente. Há uma boa nova aqui para Obama: esta crise tem mais chances de favorecê-lo. O presidente habitualmente avesso ao risco não pode se dar ao luxo de atacar diretamente o problema. Ele terá de adotar uma abordagem paciente e astuta para construir uma coalizão multinacional por trás do pano. Sejamos claros: Irã e Arábia Saudita, parceiros cruciais neste esforço, não se comprometerão publicamente com os EUA, nem se subordinarão a uma liderança americana, e só trabalharão com Washington na surdina. Eles sabem, porém, que o EI poderá ameaçar a ambos, o que lhes dá incentivos para aderir, ao menos em caráter privado, ao que provavelmente será uma luta prolongada. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK É PRESIDENTE DO EURASIA GROUP E PROFESSOR PESQUISADOR NA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK.

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