‘Coreia do Norte quer eliminar a do Sul, sua maior rival’

Para especialista que acompanha propaganda de Kim Jong-un, regime teme exemplo histórico da Alemanha Oriental

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Por Cláudia Trevisan e PEQUIM
Atualização:

O rápido avanço do programa nuclear da Coreia do Norte provocará uma crise na aliança entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, na medida em que tornará evidentes as diferenças nas posições dos aliados históricos em relação a Pyongyang, avaliou o americano Brian Reynolds Myers, especialista em ideologia e propaganda norte-coreanas.

“Em algum ponto, os Estados Unidos perderão a paciência com a política moderada da atual administração da Coreia do Sul em relação ao Norte”, disse Myers, que vive na cidade sul-coreana de Busan, onde dá aulas na Universidade Dongseo. Eleito em maio, o atual presidente, Moon Jae-in, defende uma política de aproximação com Pyongyang, na forma de cooperação econômica e de formação de uma confederação com o país vizinho. Myers afirmou que o exemplo histórico mais temido pela Coreia do Norte é o da Alemanha Oriental, país que entrou em colapso por tentar coexistir com um Estado rival muito mais rico. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado

Em 3 de setembro de 2017, a Coreia do Norte anunciou o teste de uma bomba de hidrogênio capaz de ser montada e transportada em seus mísseis de longo alcance. Os EUA advertiram com uma “grande resposta” a qualquer ameaça a seu território ou a aliados Foto: Korean Central News Agency/Korea News Service via AP

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Qual o possível desfecho da crise do programa nuclear norte-coreano? No curto prazo, a consequência mais provável é a crise dentro da aliança entre a Coreia do Sul e os EUA. Na medida em que a Coreia do Norte aumente a pressão, as diferenças entre Seul e Washington ficarão mais aparentes. Em algum ponto, os americanos perderão a paciência com a política moderada do atual governo da Coreia do Sul em relação ao Norte.

Mas Seul não endureceu sua posição depois do teste nuclear da semana passada? O presidente Moon Jae-in respondeu ao teste com declarações enfáticas e demonstrações de força militar. Mas essas respostas têm de ser vistas contra o pano de fundo de sua política moderada, que continua em vigor. Líderes de seu partido reiteraram que continuam a acreditar em uma solução negociada. Quando esteve na Rússia, na quarta-feira, o presidente discutiu uma forma de cooperação econômica ampla entre Rússia, Coreia do Norte e Coreia do Sul. Ele está emitindo sinais contraditórios e integrantes de seu partido e eleitores da esquerda que votaram nele estão insatisfeitos com sua decisão de permitir a instalação do THAAD, o sistema de defesa antimísseis fornecido pelos EUA. 

O que pode acontecer neste cenário? Moon está sob pressão crescente da ala esquerda de seu partido e creio que ele vá sucumbir a ela quando a situação na Coreia do Norte ficar mais calma. Bastarão algumas semanas de silêncio para ele retornar à sua posição histórica de que o Sul e o Norte precisam honrar os acordos que fecharam em 2000 e 2007. Esses acordos preveem ampla cooperação econômica bilateral, o que levará a conflitos com os EUA. A esquerda sul-coreana acredita que alguma forma de cooperação econômica pode ser iniciada com o Norte sem a violação das sanções da ONU. Eles acreditam que o mundo lhes dará uma isenção especial porque os norte-coreanos são seus irmãos.

Isso pode dar certo? É um enorme erro de cálculo. Os EUA não permitirão que isso aconteça. O presidente sul-coreano ainda é favorável à criação de uma confederação entre o Norte e o Sul, posição que também é defendida por Pyongyang.

O mundo terá de aceitar Kim Jong-un com armas nucleares? O mundo terá de aceitar que a Coreia do Norte é uma potência nuclear. Mas o mundo está errado se acreditar que isso é tudo o que eles querem. A Coreia do Norte não quer apenas ser tolerada. O exemplo histórico que amedronta o regime não é Muamar Kadafi (líder líbio deposto e assassinado em 2011), mas sim a Alemanha Oriental, que entrou em colapso porque tentou coexistir com um Estado rival muito mais rico. O colapso da Alemanha socialista foi uma experiência extremamente traumática para os líderes norte-coreanos e eles não querem cometer o mesmo erro. Eles acreditam que a única maneira pela qual podem garantir sua segurança é pela eliminação completa do Estado rival, por meio da reunificação.

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Quais as opções de Trump? Ele está em uma posição muito difícil. Acredito que deveria pressionar os sul-coreanos a adotarem discurso unificado com o dos EUA. Ambos precisam falar a mesma voz, em vez de praticarem esse jogo perigoso de mocinho e bandido com Pyongyang, que envia sinais ambíguos o tempo todo. Washington precisa convencer Seul a se comportar mais como os líderes da antiga Alemanha Ocidental. Eles precisam mudar a ideologia dominante na Coreia do Sul, de um nacionalismo antijaponês para um firme compromisso com valores democráticos liberais. O governo sul-coreano precisa renunciar à ideia de confederação e aos acordos que preveem massiva cooperação econômica entre o Sul e o Norte. Isso requer diplomacia cuidadosa e não pode ser feito de uma maneira impositiva. 

Existe uma saída negociada? Existe se os EUA aceitarem retirar suas tropas da península. Não concordo com pessoas que acreditam que a Coreia do Norte está gastando bilhões de dólares no seu programa nuclear para pedir bilhões de dólares no fim. Isso não faz sentido. Os que acreditam que Pyongyang está negociando por pacotes de ajuda ou pela normalização de relações com os EUA estão errados.

O que a Coreia do Norte quer? Por décadas, os líderes da Coreia do Norte disseram que a península só pode ser unificada se as tropas americanas forem forçadas a deixar a região. Eles disseram de várias maneiras indiretas em sua propaganda que a melhor maneira de retirar os americanos da península é expô-los ao risco de destruição. Pyongyang acredita que, se ameaçar os EUA com um ataque nuclear, Washington chegará à conclusão de que a defesa da Coreia do Sul não é importante o bastante para arriscar vidas americanas.

O sr. vê um cenário sem tropas americanas na Coreia do Sul? Depende do que acontecer com a aliança. Pessoalmente, acredito que o público sul-coreano se voltaria rapidamente contra Moon se essa possibilidade fosse colocada. O presidente seria forçado a deixar o poder ou a abandonar sua política de aproximação com Pyongyang e se unir aos EUA.

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