Crime é a maior causa de preocupação entre os venezuelanos

 O corpo, como tantos outros, foi jogado numa das rodovias que cruzam Caracas – um dos conhecidos pontos de desova das cada vez mais numerosas vítimas de homicídio. “Ela era cheia de vida e muito trabalhadora”, diz Wisneydi Colina, de 24 anos, sobre a amiga Pierina Patricia Jaspe Sánchez, de 26. Motoristas evitam certas ruas da capital venezuelana depois do escurecer, onde gangues de ladrões de carro armam emboscadas com tiras cheias de pregos para furar pneus. 

PUBLICIDADE

Por Patrick J. McDonnell e LOS ANGELES TIMES
Atualização:

Para os 30 milhões de venezuelanos, o colapso no preço do petróleo e a consequente queda livre da economia trouxeram duras privações, incluindo filas para comprar alimentos que dão a volta no quarteirão, falta de remédios e blecautes. Mas a escalada de crimes violentos, principalmente assassinatos, talvez seja sua maior preocupação, afetando todos os aspectos da vida diária. 

Agentes da Divisão de Homicídios investigam morte de funcionário do Consulado da Itália em Caracas Foto: EFE/MIGUEL GUTIÉRREZ

PUBLICIDADE

A Venezuela há muito está entre os países com mais altos índices de crimes, mas as crescentes estatísticas de homicídio se tornaram objeto de fortes discussões políticas.

Em fevereiro, o governo divulgou sua primeira estatística oficial sobre o problema em anos, informando que 17.778 pessoas foram assassinadas em 2015, mais de 80% delas com armas de fogo. O número de mortes por 100 mil habitantes foi de 58, levemente abaixo do índice de 2014. 

Mas o Observatório da Violência Venezuelana, um centro de estudos, informou que foram 27.875 homicídios no ano passado, ou um índice de 90 mortes por 100 mil habitantes. Isso põe a Venezuela na companhia de Honduras e El Salvador como as nações mais homicidas do mundo. 

Enquanto a maior parte das vítimas é de pessoas pobres, também são assassinados membros das classes média e alta – além de policiais e militares, que os assaltantes às vezes matam apenas para se apossar de suas armas. Os venezuelanos culpam pela criminalidade a corrupção na polícia, a indiferença governamental, a proliferação de armas e a deterioração econômica. 

Muitos veem uma apavorante indiferença com a vida humana como sintoma do descarrilamento de uma sociedade antes estável. “Antes, os ladrões só roubavam. Agora, matam”, diz-se em Caracas.

Num país em que a maioria dos criminosos nunca é encontrada, gangues de justiceiros passaram a agir encharcando supostos assaltantes com gasolina e pondo fogo – inevitavelmente matando também inocentes. Segundo as autoridades, só neste ano houve 74 possíveis linchamentos. 

Publicidade

A criminalidade incide mais nas favelas dos morros de Caracas. Numa região do bairro de Petare quase todas as janelas e portas têm barras de ferro, o que deixa o local semelhante a uma penitenciária a céu aberto. Moradores queixam-se da pilhagem de gangues armadas que agem frequentemente associadas a policiais. E contam casos de amigos e parentes mortos durante pilhagens às vezes por quantias equivalentes a US$ 1. 

Precauções que em outro lugar pareceriam extraordinárias são hoje norma em Caracas. Nos bairros mais ricos, fios eletrificados correm no alto dos muros das casas e cães de guarda ferozes rosnam atrás dos portões para os passantes. Nas ruas, mulheres evitam usar joias que possam entusiasmar assaltantes.

As pessoas tentam disfarçar as sacolas de dinheiro que são forçadas a carregar por causa de uma inflação que converteu até as notas de valor mais alto em simples papel colorido. Quase todas as feiras livres e até o comércio irregular aceitam cartões de crédito ou débito. 

As antes animadas noites de Caracas emudeceram, como se a cidade estivesse sob estado de sítio. Restaurantes, metrô e ônibus são alvos favoritos de arrastões, com grupos bem organizados de delinquentes armados roubando dinheiro, cartões, joias e celulares.

PUBLICIDADE

Casamentos e outras grandes reuniões sociais migraram para complexos de hotéis fortemente protegidos. Guardas privados trocam informações sobre cada pessoa ou veículo que entra ou sai. Mas mesmo essas medidas podem ser ineficazes. 

Há dois anos, um empresário alemão foi assaltado e assassinado a tiros na entrada de um hotel de luxo de Caracas. A polícia acha que o táxi da vítima foi seguido desde o aeroporto – onde criminosos escolhem como vítimas viajantes desorientados. Em março, um egípcio foi morto a tiros ao sair do aeroporto. Os criminosos fugiram em motocicletas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZÉ JORNALISTA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.