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Criminosos lucram com a guerra síria

Com infraestrutura e cumplicidade de autoridades, contrabandistas tiraram € 4 bilhões de refugiados em 2015, 10% do PIB da Síria

Por Jamil Chade , Correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - Dados colhidos por investigadores da Frontex - a agência de fronteiras da União Europeia (UE) - mostraram que em 2015 grupos criminosos retiraram de famílias de refugiados e imigrantes o equivalente a 10% do PIB da Síria para levá-los para o território europeu. O pagamento para o contrabando, às vezes com cumplicidade de autoridades, chegou a € 4 bilhões. 

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No ano passado, 1 milhão de refugiados entraram no território europeu: a grande maioria, da Síria. Mas, para os investigadores, é a forma pela qual essas pessoas cruzam as fronteiras que chama a atenção. 

Diante de uma Europa que não consegue estabelecer uma estratégia para lidar com o fluxo, o caminho é literalmente ocupado por grupos criminosos que vendem os serviços de transporte, contrabando, documentos e até mapas às famílias tentando escapar da morte. 

Nos últimos dias, líderes europeus têm insistido que o plano da UE para lidar com os refugiados precisa também reprimir os grupos de traficantes de pessoas. Mas, para organizações humanitárias como Médicos Sem Fronteira (MSF) e mesmo a ONU, a existência desses serviços clandestinos é resultado do fracasso da Europa em oferecer soluções a quem tenta fugir. 

O problema, segundo a Frontex, é que “a maioria dos lucros dos migrantes contrabandeados é usado por organizações criminosas para financiar outras iniciativas ilícitas, como venda ilegal de drogas e de armas”. 

Por pessoa, o custo de sair da Turquia e chegar à Alemanha, por exemplo, pode variar entre € 2 mil e € 5 mil. Em parte, esse dinheiro tem alimentado e fortalecido o crime internacional. 

Para conseguir retirar o máximo de benefícios e diante da concorrência para controlar as rotas, os grupos de contrabandistas passaram a agir de forma “profissional”, a organizar trajetos e fechar acordos com autoridades locais. 

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A principal rota é a que liga Turquia e Grécia. Em 2015, 870 mil pessoas usaram esse trajeto e o número de grupos contrabandistas também se proliferou. “Cada uma dessas redes controla uma área de ponto de partida específica”, explicou a Frontex, apontando para diferentes grupos de Izmir, Bodrum e Istambul.   Segundo as investigações, os grupos ainda se dividem por nacionalidades de migrantes e organizam o transporte das cidades até os portos turcos de onde os barcos partem para cruzar o mar até a Grécia. 

Além do transporte, os grupos oferecem informações sobre o processo de asilo na Europa e até documentos falsos. Segundo a Frontex, a maior demanda é por passaportes sírios, além de cartas de identificação, certificados de nascimento e carteira de motoristas. Na Europa, os migrantes sabem que, hoje, apenas poderão ficar se provarem que estão fugindo da guerra na Síria. 

As ilhas de Chios e Lesbos, na Grécia, são os principais destinos das travessias feitas, na maioria das vezes em barcos de borracha. Para essa modalidade, os preços variam entre 500 e mil euros por pessoa. Mas, para as famílias mais ricas, os contrabandistas também oferecem barcos maiores a € 10 mil. Quando o clima está ruim para a travessia, os contrabandistas chegam a oferecer descontos de até 50% aos refugiados.

Líbia. Outra rota com uma rede de traficantes cada vez mais organizada é a que liga a Líbia ao sul da Europa. Hoje, os grupos criminosos contam com cidadãos líbios oferecendo seus serviços aos migrantes, ex-combatentes, milícias e mesmo homens das forças regulares. 

Com operações de transporte cada vez maiores, com centenas de passageiros, as viagens passaram a ter verdadeiros administradores, e são, muitas vezes, perigosas. 

Testemunhas disseram à Frontex que traficantes violentos, cruéis, cometeram abusos sexuais em barcos e obrigaram dezenas de pessoas a realizar pagamentos com pistolas apontadas para suas cabeças. 

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