Cuba rejeita Rubio e ele gosta

Para o pré-candidato republicano, só o fato de ele ser criticado comprova o bloqueio de informações

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Por JASON e HOROWITZ
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No campo verdejante e nos bairros urbanos onde a família do senador Marco Rubio cortou cana-de-açúcar, labutou em fábricas de tabaco e batalhou para dar uma vida melhor a seus filhos, o primeiro cubano-americano a ter uma chance plausível de se tornar presidente dos EUA é o filho menos favorito da ilha."Se Marco Rubio tornar-se presidente, estamos ferrados", disse Héctor Montiel, de 66 anos, numa rua de Havana onde o pai de Rubio cresceu. "Ele é contra Cuba de todas as maneiras possíveis. Hillary Clinton entende muito mais o caso de Cuba. Rubio e esses republicanos ainda estão presos a 1959."A resistência ao governo comunista de Fidel Castro serviu de base à identidade pessoal e política de Rubio. Um republicano da Flórida que foi identificado pelo jornal cubano controlado pelo Estado como um "representante no Senado da máfia terrorista cubano-americana", ele defendeu durante anos que a normalização das relações com os EUA só fortaleceria um governo cubano opressivo que empobrece seu povo, limita o acesso à informação e viola os direitos humanos. Isso não mudou nos meses que precederam o anúncio de quarta-feira de que EUA e Cuba reabrirão suas embaixadas, um passo crucial para encerrar um embargo devastador de meio século.Na medida em que Rubio intensificava sua oposição, os cubanos começaram a vê-lo como o mais proeminente carrasco americano. "Ele quer nos matar", disse Alain Marcelo, de 46 anos, em Jicotea, a cidadezinha sem iluminação noturna onde os bisavós de Rubio chegaram da Espanha para plantar cana-de-açúcar em fins do século 19. "Ele é nosso inimigo!" O alvo desses ataques disse estar "triste" pelo fato de o governo cubano ter criado a impressão de que pretendia "matar de fome o povo cubano". Mas, para Rubio, a demonização só comprova o "bloqueio de informação que as pessoas em Cuba estão enfrentando" e justifica ainda mais sua oposição à abertura do presidente Barack Obama ao governo de Raúl Castro."Fico feliz por eles nos verem como uma ameaça", disse Rubio numa entrevista. "Eles deveriam." Ele acrescentou que fazia sentido o governo Castro estar acompanhando de perto um candidato presidencial cuja eleição não seria, para dizer o mínimo, bem recebida. "Se essa é a linha que o governo cubano adotou contra mim e está tentando doutrinar seu povo dessa maneira, isso mostra que estamos no caminho certo", disse.Autoridades do governo cubano alegam indiferença quando questionados sobre candidatos presidenciais americanos, mas Rubio claramente toca num nervo, provocando comentários ásperos. Por contraste, o senador Ted Cruz, do Texas, o outro republicano cubano-americano que busca a presidência, é pouco mencionado.Rubio nunca esteve em Cuba, mas a ilha foi muito importante em sua vida pessoal e profissional, por vezes até demais. Quando ascendeu na política da Flórida, com frequência disse a seus ouvintes que era "filho de exilados" que abandonaram a ilha governada por um "bandido", Fidel Castro. Mas, em 2011, The Washington Post reportou que os pais e um avô do senador haviam chegado nos EUA em 1956, antes da revolução de Fidel Castro, em 1959, e haviam retornado nos meses seguintes somente para visitas. A revelação pouco prejudicou a posição de Rubio como a principal voz anti-Cuba de seu partido.Com a exceção de alguns primos em segundo grau que tentaram se aproximar por um breve momento quando tiveram acesso ao Facebook, seu conhecimento sobre a vida de sua família veio principalmente por sua mãe, hoje com 85 anos. Rubio, de 44 anos, disse que a ilha era um lugar que "existe em sua imaginação". Mas ele espera visitá-la quando Cuba for realmente livre e imagina lugares que ainda estão lá e não estarão muito diferentes de quando seus pais ali viviam.O primeiro desses lugares é Jicotea, onde seus bisavós se estabeleceram inicialmente para plantar cana-de-açúcar com seus 17 filhos. Seu avô Pedro Víctor García, que teve pólio na infância e por isso se dedicou aos estudos, trocou a zona rural de Jicotea por uma carreira no negócio ferroviário, que o levou mais para o leste, até Cabaiguán, onde conheceu a mulher e criou uma família que incluiu a mãe de Rubio, Oriales García.José López Díaz, de 81 anos, que vive na frente da arruinada fábrica, lembrou de García lendo para trabalhadores e manifestou espanto com a possibilidade do neto de um colega poder se tornar presidente dos EUA.Em 1940, os avós de Rubio saíram de Cabaiguán levando a mãe dele e outros filhos para se reunirem a algumas de suas irmãs mais velhas em Havana. A família se mudou para um conjunto habitacional, e a mãe de Rubio encontrou trabalho como caixa em uma loja atacadista de produtos baratos conhecida como Casa de los Tres Kilos.A loja ainda está lá, mas com um nome diferente. Virando a esquina, nos fundos de um prédio maltratado, Antonio Freijo, de 95 anos, lembrou de seu fraco pela garota da caixa ("muito elegante, cabelo castanho"). Ele ficou espantado de saber que a garota da qual ele se lembra pode se tornar a mãe de um presidente americano.A mãe de Rubio conheceu seu marido, Mario Rubio, na loja. Ele era o guarda de segurança do estabelecimento. Pobre e dormindo num armazém adjacente, o pai do futuro senador cresceu na Rua Tenerife no bairro operário de Cerro em Havana, onde seus pais ganhavam a vida entregando comida aos operários de uma fábrica de tabaco.Os habitantes mais velhos da rua se lembram de uma família Rubio que viveu ali. Mas outros manifestaram opiniões sobre o filho."No pé em que estão as discussões diplomáticas", disse Montiel, que vive na Rua Tenerife, "Rubio parece que está vivendo no século passado". Rubio disse que acredita que muitas pessoas em Cuba tinham medo de dizer alguma coisa diferente da linha do partido, e esse ódio era de se esperar num país dominado por uma mídia controlada pelo governo."Eles não têm nenhum acesso a métodos alternativos de comunicações; não recebem meus press releases", disse. "Não é uma coincidência que todos tenham a mesma opinião?" A uniformidade de opinião que Rubio descreve com precisão pode se dever, em parte, ao jornal estatal Granma. Montiel, por exemplo, apontou com um gesto para o jornal aberto em seu colo e disse: "Estou informado". Em seguida, apontou para um artigo relacionando a CIA a um notório extremista cubano-americano suspeito de explodir um avião cubano em 1976.No Granma, Delfín Xiques, que administra os arquivos do jornal, mostrou negativos de fotos raras de Che Guevara e uma parede com fichários de madeira contendo todos seus negativos de fotos. Questionado se havia uma pasta para Rubio, abanou a cabeça. Ele disse que o jornal só agora estava começando a dar atenção a ele, embora não muita. Xiques sugeriu que não fazia sentido imprimir a "propaganda" do senador anti-Castro. "Seria sua própria estupidez que estaríamos publicando." / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIKÉ JORNALISTA

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