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CULTO ÀS ARMAS NO CORAÇÃO DOS EUA

Moradores do Tennessee criticam iniciativa de controle de Obama

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

William Robert Carden, conhecido como Billy Bob, ganhou seu primeiro rifle quando tinha 5 anos. Hoje com 39 anos, ele tem cerca de 50 armas na fazenda de 360 hectares em que vive no Tennessee, entre as quais um fuzil AR-15, o mesmo usado no ataque a tiros que deixou 14 pessoas mortas em San Bernardino, Califórnia, no dia 2. 

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Como Billy Bob, seus cinco filhos aprenderam a atirar ao mesmo tempo em que começavam a se alfabetizar. O mais velho, de 9 anos, matou seu primeiro cervo quando tinha 5 anos. Sua mulher, Rachel, também aprendeu a usar armas quando era criança. 

Os cinco filhos do casal, de 5, 7, 9, 10 e 12 anos, têm tanta familiaridade com fuzis quanto com brinquedos. Quando a reportagem do Estado visitou os Cardens, pelo menos cinco armas de cano longo estavam encostadas nas paredes da sala onde as crianças estudam sob orientação da mãe – Rachel e Billy Bob optaram por educar seus filhos em casa por discordarem de alguns dos conceitos ensinados nas escolas públicas, como a teoria da evolução.

Byron Burnett e a mulher, Debra, em sua casa em Manchester, Tennessee. Ele segura um rifle semi-automático AR-15 e ela leva na cintura o revólver que a acompanha sempre que sai de casa Foto: Cláudia Trevisan/ESTADAO

A exemplo de muitos dos americanos que possuem armas, Billy Bob se opõe a qualquer limitação ao exercício desse direito, por temer que ela seja o primeiro passo na direção de restrições mais amplas. Depois do ataque em San Bernardino, o presidente Barack Obama defendeu a ampliação da checagem de antecedentes dos compradores de armas e a proibição da venda para civis de fuzis com características militares, como o AR-15.

“A restrição afetaria os cidadãos que cumprem a lei. Os criminosos continuariam a conseguir armas de qualquer maneira”, disse Billy Bob. Em sua opinião, haveria menos pessoas mortas nos cada vez mais frequentes ataques a tiros nos EUA se todos tivessem fuzis militares, que podem disparar até 30 tiros sem a necessidade de serem recarregados. “Os caras maus não sobreviveriam muito tempo”, disse.

Quando dorme, seu AR-15 fica ao lado de sua cama. Mas até seu pai, que é um ferrenho defensor do direito às armas, questiona a necessidade de Billy Bob manter uma arma como essa em casa. “Nós vivemos em um lugar muito seguro e não esperamos nada. Mas eu protegerei minha família com minha vida”, afirmou.

Medo. A ideia de estar preparado para uma agressão que parece improvável move muitos dos milhões de americanos que possuem rifles, revólveres e fuzis. Estudo divulgado pelo Congresso em 2012 estimava que havia 310 milhões de armas nos EUA em 2009, mais que os 305 milhões de habitantes existentes naquela época.

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“Se uma arma pudesse falar ela diria: ‘Não tema nenhuma força, me chame que eu a equiparo’”, afirmou Byron Burnett, um especialista em computação que tem um campo de tiro no Condado de Coffee, no Tennessee.

Burnett não revelou o número de rifles, fuzis e revólveres que possui, mas disse que são “vários”, entre os quais um AR-15. Para ele, o porte de armas é uma questão existencial, que se confunde com a própria origem e identidade dos EUA. “Ter uma arma de fogo é minha melhor chance de defender minha liberdade. O destino da liberdade é o que está empurrando esta nação de maneira quase passional na direção da compra de armas.”

Em sua opinião, houve uma erosão na confiança do governo durante os últimos dez anos e, em especial, nos sete anos de gestão de Barack Obama. A origem do fenômeno seria a suposta expansão da interferência estatal na economia e na vida dos cidadãos. “A liberdade tem muitos inimigos”, declarou. Sempre que saem de casa, Burnett e a mulher, Debra, levam seus revólveres no coldre – o Tennessee é um dos Estados que permitem o porte ostensivo de armas.

Tanto Billy Bob quanto Burnett são republicanos que simpatizam com a pré-candidatura de Donald Trump à presidência. Todos os aspirantes da legenda à Casa Branca se opõem a propostas que limitem o comércio de armas. Nome forte dos democratas para a disputa, Hillary Clinton defende a exigência de checagem de antecedentes para todos os compradores do produto. 

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O lobby pró-armas liderado pela Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) apresenta a questão como um direito fundamental protegido pela Segunda Emenda à Constituição, o qual não deveria estar sujeito a nenhuma restrição. Em sintonia com o discurso da NRA e dos republicanos, Billy Bob disse que a origem da violência não é o elevado número de armas, mas sim os indivíduos que as utilizam. “Se fôssemos restringir as coisas que matam as pessoas, teríamos de ter proibido carros há muito tempo.”

Beth Roth, diretora da organização Safe Tennessee Project, ressaltou que ninguém propõe a eliminação das armas, mas sim a adoção de regras que dificultem o seu acesso por criminosos, crianças e pessoas que sejam uma ameaça a si mesmas e às demais. “Nada do que propomos impede um cidadão que obedece à lei de comprar armas”, disse.

Pelas regras atuais, o comércio de armas é muito menos regulado do que o de carros. As compras feitas em lojas autorizadas são registradas e sujeitas à checagem de antecedentes, mas as transações entre indivíduos realizadas nas inúmeras feiras de armas ao redor dos EUA não estão sujeitas a nenhum controle ou documentação.

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“Se cedermos um centímetro, eles vão tomar quilômetros”, argumentou Burnett, para quem a erosão na confiança no governo está na origem da expansão do número de armas nos Estados Unidos, o país que lidera o mundo nesse ranking. Billy Bob reconheceu que nem todas as pessoas deveriam ter armas, mas disse não saber como identificá-las sem afetar o direito de acesso. Para ele, qualquer medida implicará em restrições futuras.

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