Das sombras, PC chinês mobiliza-se contra protestos em Hong Kong 

Agindo por meio de militantes e organizações, o partido comanda uma resistência cada vez mais firme contra os protestos antigovernistas, que já estão na 13ª semana

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Por Andrew Higgins
Atualização:

Pela fronteira da China continental com Hong Kong, o Partido Comunista Chinês marca presença com bandeiras e slogans em quase todas as ruas. No entanto, na ex-colônia britânica, onde o partido enfrenta o que chama de luta “de vida ou morte” contra um turbulento movimento de protesto, ele é quase invisível: não tem registro e seus membros locais não são oficialmente declarados. 

Mas essa organização oficialmente inexistente está na linha de frente da defesa do domínio chinês contra a maior manifestação pública de resistência a Pequim desde que o líder autoritário Xi Jinping assumiu o poder, em 2012. 

Manifestantes usam estilingue contra apolícia durante protesto em Hong Kong, na China. Foto: Kai Pfaffenbach/Reuters 

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Agindo por meio de militantes e organizações, o partido comanda uma resistência cada vez mais firme contra os protestos antigovernistas, que já estão na 13ª semana. 

Repetindo slogans criados pelo PC na China continental, ativistas de uma leva de organizações pró-China mobilizaram-se discretamente para desacreditar os manifestantes, enquanto hooligans violentos atuam com determinação na cidade convulsionada. A mensagem tem o apoio do órgão mais próximo ao partido no território, o Escritório Central de Ligação com Hong Kong, que representa formalmente o governo chinês. 

A maioria das pessoas ignora os gigantescos protestos pacíficos para se concentrar nos confrontos periódicos entre policiais e pequenos grupos de manifestantes. No último fim de semana, a polícia usou gás lacrimogêneo e, pela primeira vez, canhões de água contra os que jogavam pedras.

Representantes de 15 grupos comerciais pró-Pequim e associações ligadas a províncias chinesas reuniram-se recentemente num conjunto de escritórios de Hong Kong para recitar slogans de fidelidade à China. Depois se juntaram, brandindo o punho e cantando em uníssono: “Parem com a violência, ponham fim ao tumulto”. 

O evento foi organizado pela Associação de Oriundos de Fujian, que representa imigrantes vindos de Fujian, uma província do leste chinês, e seus descendentes. 

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A associação não tem ligações formais com o Partido Comunista, que opera de modo coberto em Hong Kong desde que deitou raízes na cidade cem anos atrás com apenas sete membros. Autoridades coloniais declararam o partido fora da lei em 1949, mas toleraram sua existência desde que ele se mantivesse longe dos holofotes.

Quando a China retomou o controle da cidade, em 1997, o aparato clandestino do partido cresceu e passou a incluir milhares de membros se apoiadores nos quadros formais. Sua mobilização vem crescendo desde então, tendo atingido o pico em dias recentes quando grupos como a associação de Fujian entraram diretamente na política, reunindo membros para denunciar o movimento de protesto. 

O fato de o próprio partido se manter nos bastidores reflete o dilema da China ante uma questão fundamental: na fórmula “um país, dois sistemas”, sob a qual Hong Kong voltou ao domínio chinês, como é possível que um país fortemente autoritário, governado por um sistema unipartidário, mantenha influência sobre uma cidade politicamente livre e diversificada sem adotar a fórmula “um país, um sistema”? 

A resposta do partido tem sido operar a partir do Escritório Central de Ligação. Seu diretor, Wang Zhimin, e o vice são ambos ex-funcionáarios do PC em Fujian. 

A função mais importante – e menos conhecida – do escritório é supervisionar uma rede coberta de membros do Partido Comunista e coordenar as atividades de grupos envolvidos no que o partido chama de Frente Unida. As atividades da frente em Hong Kong começaram durante a guerra civil da China nos anos 30 e visavam a atrair tantos moradores de Kong Kong quanto possível para o campo do PC. 

Atores individuais e organizações que fazem parte dessa aliança meio desorganizada, embora não sejam necessariamente pró-comunistas, alinharam-se ao lado do partido, por oportunismo ou por um comprometimento compartilhado em fazer a China próspera e poderosa. Às vezes a aliança inclui gângsteres, como os que atacaram manifestantes e passageiros com barras de ferro numa estação de trem na Província de Kowloon, no mês passado. 

O presidente da associação de Fujian, o empresário Chau On Ta Yuen, de 60 anos, negou ser membro do clandestino Partido Comunista de Hong Kong – organização que, segundo ele, nunca existiu. 

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Ao mesmo tempo, Chau diz: “É claro que eu amo o Partido Comunista, que fez tantas coisas boas”. Entre coisas boas, ele cita a abertura do partido para permitir que Hong Kong ganhe dinheiro. Sem estabilidade, acrescenta, “não dá para fazer negócios”.

Chau também faz parte de uma comissão de alto nível na China Continental que aconselha o governo central – comissão na qual o ingresso frequentemente é considerado uma recompensa política. 

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Neste mês, Chau foi um dos mais de 400 cidadãos de destaque de Hong Kong pró-China convocados para uma reunião na cidade fronteiriça chinesa de Shenzhen. No encontro, funcionários chineses, incluindo o diretor do escritório de ligação (membro do Comitê Central do PC), disse que Pequim quer que os aliados em Kong Kong “ajudem a resistir à rebelião”. 

Dez dias após o encontro em Shenzhen, a Associação de Oriundos Fujian e outros grupos formam a Grande Aliança para Proteger Hong Kong - uma nova organização “guarda-chuva” que respondeu ao pedido de Pequim organizando um contraprotesto. A manifestação, em meados de agosto, reuniu dezenas de milhares de pessoas num parque nas proximidades do QG da guarnição militar da China em Hong Kong.

“Foi um grande ato de relações públicas para manter as pessoas ligadas”, disse Christine Loh, ex-funcionária do governo e autora de Underground Front, um livro sobre os métodos de atuação do partido em Hong Kong. 

O campo pró-China tinha uma única e insistente mensagem: os protestos devem parar.

Edmund W. Cheng, professor da Universidade Batista de Hong Kong que estuda as operações do partido na cidade, disse que os esforços para voltar a opinião pública contra os protestos têm sido travados pela desconfiança generalizada no partido. Muitos grupos de Hong Kong que se nomeiam “patrióticos” e independentes, por exemplo, são vistos com suspeição e considerados pontas de lança de organizações que recebem ordens de Pequim. 

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Esta foi a primeira vez que uma arma de fogo foi disparada desde que os protestos começaram Foto: Lam Yik Fei / The New York Times

Grande parte da suspeição vem do período colonial, quando o partido, clandestino, orquestrou uma campanha de rebeliões e explosões em 1967. A violência revoltou tanto o público, já desconfiado da revolução de Mao Tsé-tung, que até muitos que se consideravam patriotas passaram a ver o Partido Comunista como sinistro e perigoso. 

Autoridades britânicas aumentaram a vigilância sobre a agência noticiosa oficial Nova China em Hong Kong, predecessora do escritório de ligação na coordenação com o partido, e invadiram casas de supostos membros do PC. 

No meio século que se seguiu, o partido lentamente reparou os danos e recomeçou o trabalho de sua Frente Unida, embora permanecendo oculto. 

No entanto, ao optar pelo caráter secreto, o partido meramente transfere as suspeitas para o escritório de ligação e para proeminentes figuras que apoia, como Leung hun-ying, antes o mais alto funcionário da cidade, que nega frequentes acusações de ser membro infiltrado do PC. 

O escritório já foi sitiado pelo menos uma vez na atual onda de protestos: os manifestantes o veem como símbolo da influência oculta da China continental. 

“A Frente Unida nunca trouxe apoio efetivo para Hong Kong”, disse Samson Yuen, especialista da Universidade Lingman que estuda movimentos sociais de Hong Kong. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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