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Derrota em Ramadi e fim da estratégia no Iraque

Plano sunita de refazer laços com maioria xiita em razão do combate ao inimigo comum Estado Islâmico fracassa em meio à violência

Por TIM e ARANGO
Atualização:

Mais de mil combatentes sunitas iraquianos faziam posição de sentido, usando uniforme camuflado, mas desarmados, enquanto o líder tribal os exortava a combater ferozmente os militantes do Estado Islâmico, adotando uma retórica tingida com ideias árabes de vingança."Agora é a hora de vingar os mártires", disse o xeque Falih al-Essawi, de uniforme militar. Ele enumerou a destruição provocada em suas terras pelo Estado Islâmico, ou, como ele os chamou, "os ratos do Isil": 25 mil lares demolidos, pontes queimadas e economia devastada, disse o xeque.Ele e outros oradores fizeram um apelo explícito ao primeiro-ministro xiita em Bagdá, Haider al-Abadi: dê armas e apoio aos nossos homens, e nós mesmos combateremos o Estado Islâmico.Isso ocorreu há 11 dias numa base militar em Amiriyat Fallujah, uma das últimas cidades da Província de Anbar que continuam nas mãos do governo. O evento foi anunciado como o início de um programa do governo para armar e treinar membros das tribos sunitas locais no combate aos extremistas sunitas do Estado Islâmico - um gesto crítico para mostrar que iraquianos sunitas e xiitas poderiam se unir nessa luta, e transmitindo tranquilidade aos moradores sunitas com a presença de defensores de suas próprias comunidades.Agora, a queda da capital da Província de Anbar, Ramadi, nas mãos do Estado Islâmico ilustra o fracasso dessa estratégia.Os esforços do governo para incentivar a atividade de combatentes sunitas, programa que sempre aparentou receber poucos esforços, parece agora ter sido quase esquecido enquanto milhares de combatentes xiitas rumam para Anbar para assumir o combate contra o Estado Islâmico.Uma cerimônia na qual um grupo de combatentes sunitas da base de Habbaniya, cidade de Anbar às margens de um lago, deveriam receber novo armamento fornecido pelos Estados Unidos tinha sido marcada para segunda-feira, mas foi cancelada em razão da crise em Ramadi. Em vez disso, quase 3 mil milicianos xiitas chegaram ao entreposto.O colapso em Anbar também colocou em destaque a contínua tragédia dos sunitas iraquianos, que teve início com a invasão americana em 2003, subvertendo quase instantaneamente a antiga ordem social de predominância sunita. Com a maioria xiita alçada ao poder, os sunitas foram postos de lado, com muitos deles banidos para sempre da vida pública em razão de seus elos com o Partido Baath, de Saddam Hussein.Alguns desses sunitas se juntaram à insurgência, e muitos combatem hoje em nome do Estado Islâmico. Outros sunitas boicotaram as eleições. Um grande número deles chega até mesmo a negar o fato demográfico de serem minoria no Iraque.Mas a maioria deseja apenas prosseguir com a própria vida e encontrar um espaço na nova ordem.Agora, com a ascensão do Estado Islâmico, isso se tornou quase impossível. Os militantes sunitas declararam guerra contra aqueles que consideram apóstatas - xiitas, cristãos, yazidis -, mas são os sunitas iraquianos que mais sofreram.Conforme militantes do Estado Islâmico assumiam o controle de Ramadi nos dias mais recentes, sua fúria destruidora foi tão esperada quanto selvagem. Por meio dos alto-falantes das mesquitas eles asseguraram aos civis remanescentes que lhes ofereceriam alimento e segurança, abrindo estradas e pontes antes fechadas.Tais promessas traíam aquilo que de fato acompanhou sua chegada: ampla destruição, assassinato sumário daqueles considerados simpatizantes do governo - os militantes foram de porta em porta com listas de nomes - e a expulsão de milhares de pessoas.Os militantes abriram imediatamente dois tribunais da sharia (lei islâmica) em Ramadi, de acordo com um funcionário do governo, e libertaram prisioneiros que tinham sido detidos pelas forças iraquianas de combate ao terrorismo.O fracasso de Al-Abadi em reunir uma força liderada por sunitas para salvar a cidade aprofundou as queixas de certos sunitas em relação ao governo central que tiveram início durante a liderança do ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki."Abadi é um mentiroso como Maliki", disse Subhi al-Khaliani, aposentado da Província de Diyala. "Em vez de armar os sunitas, prefere enfraquecê-los."Bilal al-Dulaimi, de 45 anos, que trabalha como enfermeiro em Diyala, disse: "Os sunitas são os prisioneiros do Isil, que os decapita diariamente". Ele acrescentou, "para os sunitas, o futuro é desconhecido e doloroso".Até funcionários sunitas do governo na Província de Anbar pediram a Al-Abadi que enviasse milicianos xiitas, alguns dos quais têm elos com o Irã, para ajudar na luta contra o Estado Islâmico. Mas muitos cidadãos de Anbar vivem com medo, dado o papel desempenhado pelos grupos armados xiitas nas atrocidades sectárias da década passada."As milícias xiitas rumando para Anbar não são uma força do governo, não há disciplina entre eles e ninguém os controla, nem mesmo o primeiro-ministro", disse Amir Abdul, de 38 anos, morador de Anbar. "Trata-se de milícias ligadas diretamente ao Irã."Quase 3 milhões de iraquianos já foram obrigados a deixar seus lares, de acordo com as Nações Unidas, nível que não é visto desde o auge da guerra civil sectária no Iraque em 2006 e 2007. Na época, muitos iraquianos fugiram para a Síria. Mas, com a Síria consumida por sua própria guerra civil, os iraquianos fugindo do Estado Islâmico têm poucos lugares para onde ir. Quase 85% dos desabrigados pelo conflito são sunitas, de acordo com um funcionário da ONU.Em pronunciamento divulgado na segunda-feira, a ONU alertou que a crise humana que se desenrola nas áreas sunitas praticamente esgotou as capacidades da organização. "A ONU está enviando assistência urgente para as pessoas que fogem de Ramadi, mas os recursos estão se esgotando e os estoques também", dizia o pronunciamento. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALILÉ JORNALISTA

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