Diáspora armênia sofre com crises atuais

Conflito na Síria e situação econômica na Rússia afetam dois dos principais grupos

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Por RENATA TRANCHES e ERIVAN
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Importantes cenários da atual agenda internacional, o conflito sírio e a crise na Ucrânia, têm afetado dois dos principais grupos da diáspora armênia. Quase três vezes maior que a população do país, a comunidade armênia no exterior tem um grande peso econômico e político para a vida dessa ex-república soviética. Além das remessas milionárias anuais para o país - chegam a quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB) -, os armênios espalhados pelo mundo ajudam a pressionar politicamente os governos dos países onde vivem em favor do reconhecimento internacional do genocídio praticado pelo Império Otomano contra seu povo, no início do século passado. Estimada em aproximadamente 8 milhões, a atual diáspora armênia é formada por descendes dos sobreviventes do massacre ocorrido na 1.ª Guerra e é hoje uma das maiores comunidades de um país no exterior. A população da Armênia em si não chega a 3 milhões. Para se ter uma ideia da importância do tema, o governo armênio tem um ministério dedicado exclusivamente ao assunto. Em entrevista ao Estado, a ministra da Diáspora, Hranush Hakobyan, afirmou que não há uma nação hoje que não tenha um armênio. Segundo ela, mais de cem países têm comunidades organizadas e as principais delas estão na Rússia, Estados Unidos, Ucrânia, França e Síria. No Brasil, somam 100 mil, a segunda maior da América Latina. A primeira está na Argentina. Atualmente, o governo armênio lida com a situação dos sírios-armênios que tiveram de fugir da guerra que assola a Síria há mais de três anos. Pelo menos 15 mil deixaram o país nesse período. Segundo a ministra, 103 sírios-armênios foram mortos e 150 feridos nos combates que se concentram principalmente em Alepo, onde está a maioria dessa comunidade. A única representação diplomática internacional em funcionamento em Alepo hoje é o consulado-geral armênio. A Síria tem uma importância histórica para a Armênia por ter recebido os primeiros refugiados do genocídio. O deserto sírio foi cenário das chamadas "marchas para a morte", nas quais milhares foram obrigados, pelas forças otomanas, a caminhar sem água ou comida nas deportações qualificadas pela Turquia de "deslocamentos por razões militares". Crianças, mulheres e idosos foram os que mais padeceram. "A terra síria foi manchada pelo sangue armênio", disse a ministra. Uma das famílias que tiveram de deixar a Síria foi a da estudante Vana Barsumyan, de 19 anos. Moradora de Alepo, a família teve seu patrimônio, uma indústria metalúrgica, destruído pelos combates. Vana, os pais e dois irmãos fugiram primeiro para a Jordânia. Depois, decidiram retomar a vida na cidade natal, mas, mais uma vez, se viram obrigados a sair da Síria. Depois de um tentativa frustrada de reconstruir a vida no Líbano, decidiram se estabelecer na Armênia. "Não temos mais esperança de voltar (à Síria)", contou Vana ao Estado, relatando ter visto muitos horrores da guerra. Atendente de uma banca no mercado popular da capital, Erivan, Vana trabalha também em um salão de beleza e diz que espera retomar seu preparatório para a universidade e reconstruir a vida na Armênia.Nação da maior diáspora armênia, 2 milhões de pessoas, a Rússia sofre com as sanções impostas pela Europa e pelos EUA por sua interferência no conflito da Ucrânia e pela anexação da Crimeia. A situação econômica ruim se agrava com a queda no preço do petróleo e começa a se refletir em Erivan. Com uma economia atrelada à russa, a Armênia viu as remessas dos trabalhadores armênios na Rússia caírem pela metade. Além disso, o país assiste a situações desconfortáveis como a aproximação do presidente russo, Vladimir Putin, com seus dois maiores inimigos, tentando ganhar novos mercados. Sem tem como levar adiante seu projeto de um gasoduto passando pela Ucrânia, a Rússia negocia uma nova proposta com a Turquia que deverá passar pelo Mar Negro. O assunto esteve na pauta do encontro entre Putin e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, no dia 13. O local da reunião: Baku, capital do Azerbaijão, país com o qual a Armênia assinou em 1994 um cessar-fogo que congelou o delicado conflito pela disputa do enclave de Nagorno-Karabakh.Assim, a Armênia se apoia, em grande parte, na ajuda da sua comunidade estrangeira. A diáspora brasileira, por exemplo, integra o chamado Fundo Armênio, formado por 23 países que anualmente fazem remessas financeiras para serem usadas em projetos de infraestrutura, como escolas e estradas. Os projetos são definidos com o governo armênio, que ajuda a estabelecer o destino das verbas. "Ajudamos a Armênia a crescer, pois é um país que saiu da União Soviética sem recurso e com tudo por fazer", afirmou ao Estado João Carlos Boyadjian, presidente do Fundo Armênio no Brasil. A Armênia tem vários benfeitores milionários, e alguns famosos, espalhados pelo mundo. Um deles é o renomado médico John Oyunjyan, de 95 anos. Morador de Nova York há 65 anos, ele foi salvo do genocídio pela irmã quando tinha apenas duas semanas de vida. Hoje, passa seis meses nos EUA e seis meses em sua casa em Gyumri, cidade que ajudou a reconstruir após um terremoto em 1988. "É inacreditável o que aconteceu ao povo armênio", afirmou ao Estado, em Echmiadzin, sede da Igreja Apostólica Armênia.

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