Documentos suíços detalham mediação da Crise dos Mísseis

Cuba recebeu armas em excesso da URSS com objetivo de pressionar Washington a ceder sobre status de Berlim

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Por Jamil Chade e Correspondente/ Genebra
Atualização:

Documentos dos arquivos diplomáticos suíços abertos após a retomada das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba revelam os detalhes da Crise dos Mísseis de 1962, quando o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear. 

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Segundo os arquivos, o material enviado pelos soviéticos para Cuba superava as necessidades militares de Havana e tinha como objetivo pressionar Washington a ceder em outros temas do xadrez geopolítico da Guerra Fria, especialmente a situação de Berlim, cuja divisão em 1961 desagradava à União Soviética. O documento também traz detalhes do que seriam os mísseis e equipamentos para seus lançamentos. 

O relatório da diplomacia suíça revelava que os soviéticos planejavam colocar em Havana um sistema para monitorar o tráfego aéreo entre a América do Norte e América do Sul, além de “meios para intervir nesse tráfego”. 

O maior temor dos diplomatas suíços, de acordo com os documentos, era o risco de a crise sair de controle e provocar uma “guerra acidental”, da qual John F. Kennedy não poderia retroceder. 

“O confronto entre Kennedy e Nikita Kruchev não aumenta o risco de uma guerra intencional, mas sim aumenta de forma sensível o risco de uma guerra acidental”, diz o texto. 

Risco. Soviéticos desembarcam mísseis em Cuba em 1962 Foto: THE NEW YORK TIMES-5/11/1962

Para avaliar o que seria atingido em um eventual ataque, a inteligência suíça chegou a desenhar mapas para tentar identificar quais cidades americanas seriam atingidas por mísseis colocados em Cuba. Os suíços fizeram o mesmo exercício em relação a um base na Turquia que poderia atingir Moscou. 

Efeito na Europa. O impacto de uma guerra nuclear seria tão devastador que os americanos chegaram a prevenir os suíços que a Europa também poderia ser afetada.

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Numa conversa entre o secretário de Estado americano, Dean Rusk, e o embaixador suíço em Washington, August R. Lindt, o representante dos EUA indicou que a situação é tão grave que o seu país pode também ser afetado por graves consequências.

O documento mostra também que, diante da crise, a Casa Branca estava disposta a negociar com Fidel Castro. Mas não poderia anunciar publicamente nem deixar o cubano com a impressão de que Kennedy estava disposto a ceder. Segundo um dos telegramas, Rusk pediu aos suíços que questionassem Fidel como ele via o futuro de Cuba, já que numa guerra eles seriam os primeiros a sofrer. 

O chefe da diplomacia americana também pedia que os suíços mencionassem ao cubano que Kennedy estava disposto a falar de tudo com Havana. Mas para isso estabeleceu a condição de que nenhuma base soviética existisse no local.  Colaboração. O envolvimento diplomático dos suíços nas relações entre os Estados Unidos e Cuba continuou ao longo das últimas décadas, ajudando no repatriamento de corpos de pilotos americanos abatidos na ilha ou auxiliando em operações relativas a refugiados. 

Em 1991, a Checoslováquia deixou de representar os interesses cubanos nos EUA e a Suíça também assumiu esse papel. 

Quando Barack Obama anunciou o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba, a Casa Branca fez questão de enviar um agradecimento aos serviços prestados pelos suíços. No dia 1.º de julho, o secretário de Estado americano, John Kerry, encaminhou um telegrama de agradecimento ao governo suíço. 

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