Em crise, Equador adapta chavismo ao livre-comércio

Êxito de pacto comercial com a União Europeia mostra que Correa se afasta da Venezuela em questões econômicas

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Por QUITO
Atualização:

O PIB do Equador encolheu 1,7% em 2016. Não dá para disfarçar: a economia está em crise e virou tema da eleição presidencial de domingo. À primeira vista, a recessão repete a mesma cantilena venezuelana, um modelo social de caráter distributivo que chegou ao limite após a queda do preço do petróleo. Mas a saída encontrada pelo governo equatoriano mostra a distância que o separa do chavismo, pelo menos em questões econômicas.

No primeiro dia do ano, entrou em vigor o tratado de livre-comércio entre Equador e União Europeia, resultado de um esforço diplomático de nove anos de Quito. O acordo afasta o presidente Rafael Correa do corolário chavista e mostra que a aposta no bilateralismo pode dar resultados rápidos - o Mercosul, por exemplo, negocia um acordo parecido desde 1999. Na quarta-feira, o Ministério do Comercio Exterior equatoriano informou os resultados da balança comercial de janeiro, os primeiros números após o tratado entrar em vigor.

Rafael Correa é presidente do Equador desde 2007; Correa não disputará eleições deste ano Foto: Henry Romero

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As exportações para a UE cresceram 15% com relação ao mesmo período do ano passado, injetando US$ 257 milhões na economia equatoriana. Segundo o ministro Juan Carlos Cassinelli, o governo ainda espera um crescimento até o fim do ano de 25% nas vendas de 150 produtos para a Europa. 

Em contrapartida, Cassinelli estima que produtos europeus, que tiveram tarifa de importação zerada, fiquem até 45% mais baratos para o consumidor local. “Correa é mais pragmático do que muita gente pensa”, disse ao Estado o economista Santiago García Álvarez, da Universidade Central do Equador. Segundo ele, com o tratado, o equatoriano pagará menos por computadores, bebidas, cosméticos e automóveis - o preço de um carro popular pode chegar a US$ 14 mil (cerca de R$ 50 mil). Em sete anos, a taxa de importação de veículos deve cair a zero. 

“Correa sempre foi contra o livre-comércio, mas desta vez foi sensato”, afirma José Antonio Camposano, presidente da Câmara Nacional de Aquacultura, a associação dos produtores de camarão do Equador, atividade econômica que mais cresce no país - em média 10% ao ano. “Ele conseguiu um acordo de liberalização comercial que preservou, ao mesmo tempo, alguns setores da indústria nacional.”

Dolarização. O grande trauma do Equador ainda é a inflação. Em 2000, diante da crise crônica, o então presidente Jamil Mahuad resolveu acabar com a moeda nacional, o sucre, e adotar o dólar americano. A dolarização proporcionou estabilidade cambial, mas aumentou a vulnerabilidade externa e limitou a capacidade de o governo realizar uma política monetária.

“Não temos moeda”, diz Camposano. “Nossos vizinhos podem promover uma desvalorização cambial para aumentar a competitividade de seus produtos, enquanto nós jogamos com as mãos amarradas. Correa percebeu que não tinha saída, que o livre-comércio era a única ferramenta para aumentar nossa competitividade.”

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Mesmo dependendo do humor do dólar, ninguém no Equador tem saudade da penúria dos tempos do sucre. A crise de 2000 fez mais de 3 milhões de equatorianos abandonarem o país para tentar a sorte nos EUA ou na Europa. Os vilões da história? O presidente Mahuad e sua equipe econômica. Na época, quem fazia parte do time era Guillermo Lasso, hoje o nome da oposição na disputa de domingo pela presidência contra Lenín Moreno, candidato ungido por Correa. 

Quando o assunto é exílio econômico, é natural que a revolta dos expatriados seja contra o governo atual, como ocorre na Venezuela. Quem abandonou o país em busca de uma vida melhor, detesta o chavismo. No Equador ocorre o oposto. Muitos ligam Lasso à crise de 2000. Isto explica a péssima votação do candidato da oposição entre a diáspora - Moreno obteve mais do que o dobro dos votos vindos de fora (37% a 18%). 

“É claro que o Equador tem semelhanças com a Venezuela, mas não são tantas assim”, disse García. “Correa tem um caráter autoritário, está sempre em pé de guerra com a imprensa e busca se perpetuar no poder.” Mas, lembra o economista, as maiores diferenças entre os dois países estão na área econômica.

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Apesar de ambos serem membros da combalida Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), os equatorianos são bem menos dependentes do produto. Enquanto o petróleo bruto representa mais de 90% das receitas do governo venezuelano, García calcula que no Equador o total não passe de 30% - segundo ele, 70% das receitas vêm de tributos e de outros setores agroexportadores. 

Nos últimos dez anos, a pobreza diminuiu, os índices de educação melhoraram e parte da infraestrutura foi renovada. Mas os gastos sociais deixaram a economia vulnerável. Hoje, o que o país paga de serviço da dívida pública (US$ 6 bilhões) já é quase o que se gasta em saúde e educação (US$ 7 bilhões). Correa sai da cena pública, mas sua herança deve tornar a vida do próximo presidente mais difícil.