'Em Gaza, existem todas as condições para uma explosão'

Para ex-comandante de espionagem israelense, assentamentos judaicos na Cisjordânia impedirão solução de dois Estados

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Por DER SPIEGEL
Atualização:

Yuval Diskin foi diretor do Shin Bet, serviço de inteligência interna de Israel, entre 2005 e 2011. Nos últimos anos, tornou-se crítico às políticas do premiê israelense, Binyamin Netanyahu. Deskin defende que, se Israel não parar a construção de assentamentos em território palestino, a solução de dois Estados para o conflito, em breve, será descartada. 
Qual o objetivo da invasão israelense na Faixa de Gaza?
Israel não tinha outra opção senão aumentar a pressão. Todas as tentativas de negociação fracassaram. O Exército tenta agora destruir os túneis entre Israel e Gaza com uma mini-invasão e o governo também mostra que está fazendo algo. Os eleitores exigem uma invasão com veemência cada vez maior. O Exército espera que essa invasão force o Hamas a aceitar um cessar-fogo. 
O sr. diz que o Netanyahu vem sendo pressionado pela direita.
Felizmente para Israel, Netanyahu, o ministro da Defesa, Moshe Yaalon, e o comandante do Estado-Maior, Benny Gantz, não são aventureiros. Nenhum deles quer a invasão nem está empolgado com uma reocupação de Gaza. Israel não planejou essa operação, o país foi arrastado para essa crise. 
O que deve ocorrer depois?
Israel é agora um instrumento nas mãos do Hamas, não o contrário. O Hamas não se preocupa se a sua população é atingida pelos ataques ou não, porque a população vem sofrendo de qualquer maneira. O Hamas não se preocupa com suas próprias vítimas. O que deseja é que algo mude a situação.
Até que ponto o Hamas é forte? 
Infelizmente, não conseguimos no passado desferir um golpe que realmente debilitasse o Hamas. Durante a operação de 2008 e 2009, chegamos perto. Nos últimos dias daquela operação, o Hamas estava próximo do colapso; muitos militantes desistiram. Agora a situação mudou em favor dos islamistas. 
Israel não está jogando os palestinos nos braços do Hamas?
Parece. Do mesmo modo que o Hamas, a população de Gaza não tem nada a perder. E esse é o problema. Enquanto Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, estava no poder no Egito, as coisas corriam muito bem para o Hamas. No entanto, o Exército egípcio assumiu o governo e destruiu a economia gerida por túneis entre Gaza e a Península do Sinai, que era crucial para o Hamas. 
As mediações fracassaram. O que pode acabar com a guerra?
Observamos na recente tentativa de cessar-fogo que o Egito, o mediador natural na Faixa de Gaza, não é o mesmo de antes. Pelo contrário, o país está usando sua importância para humilhar o Hamas. 
E se Israel conversar diretamente com o Hamas?
Não é possível. Na verdade, somente os egípcios podem fazer uma mediação confiável. Mas precisam apresentar uma proposta mais generosa: a abertura da fronteira que liga Rafah ao Egito, por exemplo. Israel também tem de fazer concessões e permitir mais liberdade de movimento. 
Por essas razões o Hamas teria provocado o atual confronto? 
O Hamas não desejava essa guerra também. Mas, como costuma ocorrer no Oriente Médio, as coisas acontecem de modo diferente do planejado. Começou com o sequestro de três adolescentes israelenses na Cisjordânia. Pelo que li e sei como o Hamas opera, acho que o grupo foi tomado de surpresa. Parece que o incidente não foi coordenado ou comandado pelo Hamas. 
Netanyahu, porém, disse que foi e usou essa justificativa para as medidas severas que adotou. 
Após o sequestro dos adolescente, o Hamas compreendeu que tinha um problema. À medida que a operação do Exército na Cisjordânia se ampliou, os radicais em Gaza dispararam foguetes contra Israel e a Força Aérea israelense lançou ataques. E, então, houve o sequestro e o assassinato do palestino em Jerusalém, o que deu a Israel mais legitimidade para atacar. 
Como o governo deveria reagir?
Foi um erro de Netanyahu atacar o governo de unidade do Hamas e do Fatah sob a liderança de Mahmoud Abbas. Israel devia ter sido mais pragmático. Devíamos ter apoiado os palestinos porque queremos estar em paz com todos, não com apenas a metade deles. Um acordo com o governo de unidade teria sido mais realista do que afirmar que Abbas é terrorista. Mas esse governo de unidade tem de concordar com todas as condições impostas pelo Quarteto para o Oriente Médio (ONU, EUA, UE e Rússia): aceitar Israel, renunciar ao terrorismo e reconhecer acordos já firmados. 
A chance de haver uma Terceira Intifada tem sido mencionada repetidamente nos últimos dias. 
Ninguém pode prever uma intifada porque uma revolta não é algo planejado. Mas não devemos achar que os palestinos estão mais pacíficos em virtude da ocupação. Eles jamais aceitarão o status quo da ocupação israelense. Quando as pessoas perdem a esperança, se tornam mais radicais. Isso é da natureza do ser humano. A Faixa de Gaza é o melhor exemplo. Todas as condições estão reunidas ali para uma explosão. 
As mais recentes negociações fracassaram, de novo. 
Sim e com razão. Temos um problema hoje que não tivemos em 1993 quando o primeiro Acordo de Oslo foi negociado. Naquela ocasião, tínhamos líderes de fato, que não temos hoje. Abbas não é um líder de verdade, tampouco Netanyahu. Abbas é uma boa pessoa sob muitos aspectos, mas nem ele nem Netanyahu pode consolidar a paz. Além disso, nenhum deles tem confiança no outro. 
O secretário de Estado americano, John Kerry, tentou fazer uma intermediação entre os dois. 
Sim, mas a iniciativa de Kerry não foi levada a sério. A única solução para esse conflito tem de ser regional, com a participação de Israel, dos palestinos, da Jordânia e do Egito. 
O sr. acha que os assentamentos na Cisjordânia podem inviabilizar a solução de dois Estados? 
Atualmente, estamos muito próximos do ponto sem volta. O número de colonos está aumentando e uma solução para esse problema já é quase impossível, de um ponto de vista puramente logístico, mesmo que haja vontade política. 
Alguma solução para o conflito ainda é possível?
Temos de avançar progressivamente; necessitamos de muitos sucessos pequenos. Precisamos do acordo do lado palestino e a aceitação as condições estabelecidas pelo Quarteto. E Israel tem de congelar de uma vez a construção de novos assentamentos. Do contrário, a única possibilidade será um único Estado partilhado. E essa alternativa é péssima. 
O sr. acha que existe o perigo de Israel ficar isolado?
Estamos perdendo legitimidade e o espaço para agir não é mais tão grande, nem mesmo quando o perigo é iminente. 
O sr. sente-se isolado por sua posição sobre essa situação?
Existem muitas pessoas dentro do Shin Bet, do Mossad e do Exército que pensam como eu. Mas, em mais cinco anos, estaremos muito sós, porque o número de sionistas religiosos ocupando posições de poder e no Exército cresce continuamente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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