Em Genebra, ONU começa a negociar a paz na Síria

Primeira tentativa de diálogo tenta organizar uma transição pacífica de poder, refundar o país e colocar fim ao conflito que já dura 5 anos

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Por Jamil Chade , CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:

GENEBRA - Às vésperas de completar cinco anos da guerra na Síria, a ONU lança hoje em Genebra sua primeira tentativa de negociar a paz, colocar o fim ao conflito e refundar o país. No entanto, o regime de Bashar Assad voltou ontem a indicar que abandonaria o processo se o debate sobre um governo de transição for exigido pelos mediadores.

Ontem, diplomatas de EUA, União Europeia e membros da oposição síria alertaram que o governo de Assad estaria tentando minar o processo de paz e um órgão de transição já estaria acordado, inclusive pelo governo russo, aliado de Assad.

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Negociadores da ONU admitiram ao Estado que, nos bastidores, o clima nos últimos dias era de um “otimismo moderado”, depois de dezenas de fracassos. Desta vez, alegavam que a negociação ocorreria sob um cessar-fogo que entrou em vigor a partir do dia 27 de fevereiro e, apesar das dezenas de violações ao acordo, reduziu o nível de violência. 

Se até recentemente a ONU registrava cerca de 100 mortos por dia na Síria, as contas hoje apontam para 115 mortes em duas semanas. O acesso humanitário também foi acelerado. A ONU diz que já consegue enviar ajuda para 10 das 18 áreas sitiadas. 

No entanto, para a oposição que desembarcou em Genebra no fim de semana, o cessar-fogo também deu uma vantagem militar para Assad. Desde o fim de fevereiro, o governo sírio avançou no noroeste do país e em outras partes do território. Ajudados pelos bombardeiros das forças russas contra o Estado Islâmico (EI), Assad ainda estaria preparando a retomada da cidade histórica de Palmyra. 

Na ONU, a percepção é a de que os russos também deixaram claro que querem uma nova Constituição e um novo país. Na semana passada, generais russos se reuniram com membros da oposição síria para explicar quais seriam os planos para um governo de transição.

O clima de otimismo, contudo, sofreu um sério abalo no fim de semana. O ministro das Relações Exteriores da Síria, Walid al-Moualem, disse que o governo de Assad não aceitará discutir a convocação de eleições presidenciais. 

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Futuro. Na sexta-feira, Staffan de Mistura, mediador da ONU para a guerra, havia indicado que seu objetivo era conseguir que, em 18 meses, a Síria passasse por eleições gerais e organizadas pela ONU. “Esse é um direito que cabe exclusivamente ao povo sírio”, respondeu ontem o chanceler de Damasco. Moualem também indicou que falar sobre retirar Assad do governo seria uma “linha vermelha” que o regime sírio não aceitaria cruzar no processo negociador.

Para o alto comitê negociador (formado pela oposição), a declaração do chanceler “interrompe o processo de paz antes mesmo de ele começar”. “Isso é um prego no caixão das negociações”, disse o grupo, em comunicado. A oposição insiste que, a partir de hoje em Genebra, pressionará pela formação de um governo de transição, sem a presença de Assad. 

Estados Unidos e União Europeia também acusaram Assad de estar atrapalhando o processo negociador e lembraram que até os governos russo e iraniano estão pressionando Assad. “Isso é uma provocação, um mau sinal e não corresponde ao espírito do cessar-fogo”, afirmou ontem o chanceler da França, Jean-Marc Ayrault, após encontro com o secretário de Estado dos EUA, John Kerry. 

Plano. O secretário de Estado americano também acusou Damasco de querer “atrapalhar o processo de paz” e ainda mandou um recado ao russos. “O presidente Vladimir Putin, que está apoiando Damasco com tanto empenho, deveria se preocupar com o fato de Assad ter enviado seu ministro para tentar tirar da mesa de negociação algo com que todos já haviam se comprometido. Esse é um momento de verdade, um momento no qual todos têm de ter responsabilidade”, disse Kerry, que garantiu que pelo menos 600 combatentes do EI morreram na Síria nas últimas três semanas. 

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Em Genebra, a formação de um novo governo composto pelas diferentes forças da Síria deve ser a prioridade. Ele seria seguido pela elaboração de uma nova Constituição e, um ano e meio depois do início do processo negociador, eleições seriam realizadas. 

Mistura declarou ontem que uma das possibilidades que se discute na formulação de uma nova Constituição é a possibilidade de federalizar a Síria, dando às diferentes regiões certa autonomia para preservar a unidade do território. Um dos modelos utilizados é o da Bósnia-Herzegovina, depois da guerra nos anos 90. 

No entanto, até mesmo para que esse debate seja realizado, o impasse é profundo. Mistura, pressionado pelos turcos, não convidou para a negociação os grupos curdos do norte da Síria. A medida foi duramente criticada pelo chanceler russo, Sergei Lavrov. “Eles controlam 15% do território sírio e são aliados tanto da Rússia como dos EUA”, disse. 

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O plano é ameaçado também por grupos terroristas. No fim de semana, a Frente Al-Nusra, financiada pela Al-Qaeda, entrou em confronto com outros grupos de oposição no noroeste da Síria e conseguiu obter controle de um depósito de armas fornecidas pelos EUA na Província de Idlib.

Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, organização opositora com base na Grã-Bretanha, a Frente Al-Nusra apreendeu mísseis antitanques, veículos blindados, um tanque e outras armas convencionais que a Divisão 13 do Exército Livre Sírio (de oposição a Assad) tem recebido do governo dos EUA. 

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