Em Haia, Bolívia mantém esperança de acesso ao mar

Corte Internacional de Justiça pode decidir até o fim do mês disputa entre bolivianos e chilenos, mas mudança territorial é improvável

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Por Rodrigo Turrer
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Há quase 55 anos a Marinha da Bolívia espera para ter um mar. Criada em 1963, ela tem um contingente de 5 mil homens, 73 embarcações de combate e consome 15% do orçamento das Forças Armadas da Bolívia. A maior parte deste efetivo fica no calmo lago Titicaca, a 3,8 mil metros de altitude, ou nos outros 7 mil quilômetros de rios do país. 

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Marinheiros bolivianos aguardam chegada do presidente Evo Morales em ilha do Lago Titicaca Foto: REUTERS/Gaston Brito

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Os marinheiros bolivianos esperam que sua hora esteja chegando. Entre os dias 17 e 28, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, na Holanda, vai julgar uma ação da Bolívia que exige do Chile a devolução da soberania de um território perdido no começo do século 20. 

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A querela começou com o fim da Guerra do Pacífico (1879-1883). O conflito terminou com a vitória chilena sobre Peru e Bolívia. O Chile anexou Arica do Peru e fez um acordo com a Bolívia em que tomava 400 quilômetros de litoral e 120 mil quilômetros quadrados de território do país. Em troca, o Chile prometeu à Bolívia o “trânsito comercial completo e livre”.

A ação boliviana pede que o Chile seja obrigado “a negociar de boa-fé e definitivamente” uma saída direta para o mar para a Bolívia. Na prática, os bolivianos exigem a soberania sobre o território. O Chile rejeita devolução de territórios com soberania boliviana e alega que o acordo assinado em 1904 pela Bolívia tem validade. Os bolivianos afirmam que, após a derrota na guerra, estavam quebrados e assinaram o tratado em razão da pressão econômica. 

A demanda é tão importante para os bolivianos que está na Constituição. “O Estado boliviano declara seu direito irrenunciável e imprescritível sobre o território que dá acesso ao Oceano Pacífico”, diz o texto. O tema une até opositores de Evo Morales. Os ex-presidentes da Bolívia Carlos Mesa e Eduardo Rodríguez Veltzé fazem parte do time de advogados que defendem a causa boliviana em Haia.

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É a economia

A disputa por um acesso ao mar é, antes de tudo, econômica. Dois terços do comércio de longa distância da Bolívia atravessam os portos chilenos. Estudos indicam que, se tivesse acesso ao mar, o PIB boliviano poderia ser 20% maior. “As importações bolivianas às vezes demoram meses para serem liberadas, e as exportações têm apenas 60 dias por ano sem taxas”, afirma Sergio Molina Monasterios, professor de Estudos Latino-americanos na Universidad de Santiago. 

O plano ideal da Bolívia seria um corredor de terra em Arica que se estenderia por 200 milhas náuticas pelo Oceano Pacífico. Essa solução, segundo especialistas, demandaria uma compensação da Bolívia, talvez sob a forma de troca de terras. 

O imbróglio jurídico internacional é difícil de resolver. O Chile alegava que o CIJ não tinha jurisdição no assunto, mas a Corte negou o argumento e reclamou para si a competência do julgamento. “Essa foi uma vitória da Bolívia, porque ao aceitar julgar o caso, o CIJ declarou que existe uma controvérsia”, afirma Gustavo Fernández, ex-ministro das Relações Exteriores da Bolívia. “E se existe uma controvérsia, deve haver uma negociação.”

O Chile não aceita discutir nenhum acordo que inclua a soberania. “A Bolívia só quer dialogar com a exigência de soberania sobre o território. Nenhuma solução sem a soberania total vai satisfazer a Bolívia, o que torna a situação inegociável”, disse o atual chanceler do Chile, Heraldo Muñoz.

Até mesmo os diplomatas bolivianos sabem que, qualquer que seja a decisão do CIJ, ela dificilmente vai alterar o território dos países. “A decisão do CIJ vai permitir uma negociação melhor com o Chile, mas não vai haver mudança no mapa-múndi”, diz Fernandéz. 

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