CABUL - As forças de segurança do Afeganistão têm combatido a crescente insurgência do Taleban e de outros grupos armados, mas o número de baixas cresceu na medida em que tropas estrangeiras reduziram sua presença no país, disse em entrevista ao Estado o vice-comandante da coalizão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o general alemão Carsten Jacobson.
Treinadas e equipadas pelos países envolvidos na guerra iniciada em 2001, as forças de segurança do Afeganistão assumiram a responsabilidade pelo planejamento e execução de operações de combate em 2013, mas continuaram a ter o apoio internacional. Integrada por quase 50 países, a missão da Otan será concluída em 31 de dezembro, quando a guerra do Afeganistão chega oficialmente ao fim. A seguir, trechos da entrevista concedida em Cabul:
O que a redução de tropas significou em termos territoriais?
Tínhamos um enorme número de bases com responsabilidade territorial e isso foi gradualmente entregue às forças de segurança do Afeganistão. Nós fechamos 300 bases, transferimos 500 aos afegãos e ainda temos forças em 30 delas. Chegamos a ter 140 mil soldados. Agora são 30 mil e vamos continuar a diminuir até chegarmos a 12,5 mil no dia 1.º de janeiro. Vamos passar a um papel de aconselhamento e treinamento de uma força independente em um país soberano. O foco estará nas instalações que queremos proteger - as instalações do governo em Cabul, os comandos na capital e os mais elevados centros de comando.
As forças afegãs estão prontas para o combate?
No início do ano, os insurgentes declararam a intenção de tomar o controle de distritos e províncias, porque sabiam que estávamos reduzindo nossa presença. Se olharmos para a situação agora, nenhuma província e nenhum distrito é controlado pela insurgência. Se olharmos as operações terrestres, 100% delas foram conduzidas pelas forças afegãs. Os afegãos fizeram um trabalho milagroso na eleição, que era um alvo claro dos insurgentes. Mas, em razão do menor apoio da coalizão, o número de baixas foi considerável.
Quais são as principais fragilidades das forças afegãs?
Construímos uma força considerável de mais de 300 mil homens e mulheres em uniforme. Você pode construir uma grande força e equipá-la em um período relativamente curto, mas não dar experiência e liderança. A estimativa é que são necessários sete anos para treinar o comandante de uma companhia. Para liderar um batalhão, são precisos 15 anos. Não tivemos esses 15 anos. Também é preciso treinar especialistas em diferentes áreas, como engenharia, logística e sistemas. É um longo processo. O país tem um elevado nível de analfabetismo e baixa qualidade de educação em geral. É preciso construir uma geração, o que não é uma tarefa militar, é uma tarefa para a sociedade, com apoio da comunidade internacional.
Depois de 13 anos, é possível dizer que a guerra foi ganha?
O país tem mais de 30 anos de conflitos que não são uma campanha militar contínua. A União Soviética invadiu o Afeganistão e deu início a esse período de guerra em 1979. O que se seguiu foi uma sangrenta ocupação com crescente resistência, que derrotou os soviéticos no fim da Guerra Fria. Depois houve a guerra civil entre comandantes regionais que saíram da campanha militar contra a União Soviética, seguida de uma campanha de orientação religiosa com o Taleban, que dominou o país com um sistema islâmico extremista. Esse período foi superado pela ofensiva de 2001 com a ajuda estrangeira. Mais tarde tivemos uma insurgência, que cresce e não mais enfrentará forças internacionais. Vimos o impacto desses diferentes conflitos sobre a população civil. O mais significativo provavelmente é a falta de educação. Essa é uma das áreas que mais sofreram e o futuro do Afeganistão depende de crianças indo às escolas agora. Esses são os que vão ocupar postos na administração e transformar o Afeganistão em uma sociedade que funcione.
O Estado Islâmico pode ganhar influência no Afeganistão?
O Estado Islâmico se declara um Estado, mas é uma ideologia que controla um território sem fronteiras claras. Temos o fenômeno global do extremismo islâmico e isso existe entre os insurgentes (afegãos). Mas eu não vejo o Estado Islâmico se encaixar na fotografia do Afeganistão. Há extremismo islâmico dentro da insurgência, há extremismo islâmico fora do Estado Islâmico, há uma atração pelo que o Estado Islâmico está fazendo, mas os que são atraídos tendem a ir onde o Estado Islâmico está e lutar lá, em vez de exportar a luta de lá.
Qual a logística da retirada das tropas e dos equipamentos trazidos para o Afeganistão?
Nós equipamos uma força afegã de mais de 300 mil soldados e isso fica com o Afeganistão. Do que nós trouxemos, há equipamento que fica aqui, há o que será transferido para os afegãos e o que será destruído, porque não vale a pena dar aos afegãos nem transportar para casa em razão do custo. Além disso será preciso manter a logística para coisas que precisam ser trazidas para o país em grande quantidade, como combustível, que exige uma combinação de transporte militar e prestadores de serviço civis. O Exército e a polícia afegãos precisarão de combustível, de munição, de suprimentos médicos e terão de manter seus veículos.