Estado Islâmico usa futebol como propaganda

Esporte mais popular do Oriente Médio serve para atrair novos soldados para o jihadismo

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Por Jamil Chade e correspondente
Atualização:

GENEBRA - Considerado um “instrumento imperialista”, o futebol faz parte do estilo de vida que o Estado Islâmico (EI) quer ver aniquilado. Mas para o analista ouvido pelo Estado, o grupo terrorista tem mantido um comportamento contraditório com relação a esse que é o esporte mais popular do Oriente Médio.

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O grupo tem usado o futebol como propaganda e isca para atrair combatentes – em alguns casos, abrindo brechas para que estrangeiros possam continuar a acompanhar os campeonatos de seus países de origem.

Pesquisador da Universidade de Nanyang, em Cingapura, James M. Dorsey afirmou ao Estado que existe uma relação de “amor e ódio” dos jihadistas com o esporte. Quando se trata de futebol, segundo o especialista – autor de O Mundo Turbulento do Futebol no Oriente Médio –, os grupos terroristas podem ser divididos em dois grupos.

De um lado, estão Al-Qaeda e Hezbollah, que usam o futebol como mecanismo de recrutamento e não colocam restrições duras contra o jogo. De outro, estão EI, Boko Haram e Al-Shabbab, que oficialmente declararam guerra ao futebol.

No caso do EI, seus ataques têm tido o futebol como alvo. Um dos atos mais polêmicos ocorreu no ano passado quando 13 jovens foram mortos por estarem assistindo a um jogo da Copa da Ásia, entre Iraque e Jordânia, pela televisão.

Diversos atentados foram registrados em estádios iraquianos nos últimos meses e, na semana passada, crianças foram obrigadas a presenciar a execução dos jogadores do Al-Shabab SC, time que foi fechado em Raqqa.

Em maio, um café na cidade iraquiana de Balad foi invadido por combatentes e todos aqueles que assistiam a um jogo do Real Madrid foram executados. Ao site espanhol AS, um dos organizadores do café que funcionava como “clube” para os torcedores do Real disse que pelo menos 16 pessoas morreram diante de cartazes de Zinedine Zidane.

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Há também ameaças à própria Fifa. Num vídeo, o EI fala sobre uma carta que teria sido enviada ao ex-presidente da entidade Joseph Blatter sugerindo que ele retirasse a Copa de 2022 do Catar. O motivo: até 2022, o local fará parte do ‘califado’ do Estado Islâmico e, portanto, o futebol não será autorizado. “Não autorizamos corrupção e desvios ao islã na terra dos muçulmanos”, alertou o grupo. “É por isso que sugerimos que vocês substituam o Catar.”

Mas a relação do EI com o futebol é mais complexa, refletindo a dificuldade de se impor a religião a um dos aspectos mais enraizados no estilo de vida no Oriente Médio. “O futebol é o que mais se aproxima do fervor da religião no Oriente Médio”, disse Dorsey.

Assim que o EI assumiu o controle em Raqqa, o futebol era tolerado, conta o especialista, que há anos estuda a relação do jihadismo com o esporte. Com o passar do tempo, um banimento informal ao jogo foi estabelecida. Para Dorsey, a ideologia condena o esporte como “uma invenção dos infiéis para distrair a atenção dos jovens que deveriam estar concentrados em suas obrigações religiosas”.

Em Paris, em novembro, a possibilidade de um ataque dentro do estádio onde jogavam França contra Alemanha foi considerado um sinal de que o futebol europeu estava de fato na mira do grupo. “Se essa é nossa religião, isso é o que os terroristas querem atacar”, comentou Philipp Köster, editor da revista alemã 11Freunde.

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Naquela noite, o astro francês Antoine Griezmann viveria momentos de tensão ao saber que sua irmã estava no Bataclan, a casa de shows atacada pelos terrorista. Ela sobreviveu. Mas um primo do meia francês Lassana Diarra acabou morrendo no mesmo local.

Ainda assim, não existe uma política uniforme adotado pelo EI em seu território sobre o futebol. “Mesmo nos locais onde o esporte é banido, não há consistência”, indicou Dorsey.

Diversos estádios e clubes passaram a ser ocupados pelos militantes. Em outros lugares, crianças com menos de 12 anos foram autorizadas a jogar bola. Mas, em Manbij, perto de Aleppo, as partidas foram proibidas para todos. Em Deir Ezzor, a idade máxima para jogar é de 15 anos.

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Aos combatentes estrangeiros que chegam da Europa para ajudar a causa islâmica, o EI autorizou que tenham em seus quartos aparelhos que consigam conexão com emissoras que transmitem os principais campeonatos europeus, cientes de que esses novos jihadistas também tinham seus times de coração.

Um exemplo da contradição é o comportamento de Mohammed Abrini, um dos supostos autores dos ataques contra o aeroporto de Bruxelas. Em março, confessou que tirou fotos diante do estádio de Old Trafford, do Manchester United. Em seu celular, também foram encontradas fotos do estádio do Aston Villa. Ele também admitiu que tinha o objetivo de atacar a Eurocopa, na França.

Ao mesmo tempo, reconheceu sua paixão pela bola e tinha as fotos porque sempre quis estar nesses estádios. Essa contradição confirma um estudo conduzido pela Vocativ que mostra que, além de temas religiosos, os sites islamistas são permeados por comentários sobre outro assunto: o futebol.

Propaganda. Os vídeos do EI também expõem essa contradição, ao usar o esporte para atrair combatentes estrangeiros. Num dos materiais de recrutamento, o grupo usa o português Celso Rodrigues da Costa, que chegou a fazer testes no Arsenal, mas nunca foi aprovado. Filho de família de Guiné-Bissau, ele foi para a Síria e adotou o nome de Abu Isa Andaluzi.

No vídeo, o português é comparado ao francês Lassana Diarra e o grupo usa seu passado para mostrar o “caminho correto de um homem”. “Ele jogou pelo Arsenal e deixou o futebol, dinheiro e estilo de vida europeu para seguir o caminho de Alá.”

Outro nome usado na propaganda é de Burak Karan, um turco-alemão com chances reais de ter sucesso, mas que optou por lutar na Síria e, em 2013, e foi morto num confronto. Seu nome, desde então, é usado pelos recrutadores.

Em meio às contradições estão também gafes. Logo depois dos ataques em Paris pelo EI, o grupo autorizou que cafés em suas cidades mostrassem o clássico entre Barcelona e Real Madrid. Mas no instante em que o jogo ia começar, o juiz pediu um minuto de silêncio pelas vítimas dos atentados. Rapidamente, a milícia invadiu os locais exigindo que as TV fossem desligadas.

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