'Estamos em um momento perigoso'

Segundo chanceler, Kiev está cumprindo o cessar-fogo, mas a questão agora é a influência russa sobre os separatistas

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Por JAMIL CHADE e KIEV  
Atualização:

O acordo de cessar-fogo na Ucrânia foi "rompido" pelos russos. O alerta é do chanceler ucraniano, Pavlo Klimkin. No epicentro de uma das piores crises entre potências ocidentais e Rússia desde o fim da Guerra Fria, ele admite que a partir de agora a região vive um momento "muito perigoso". 

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Ontem, o cessar-fogo assinado no dia 5 de setembro recebeu mais um golpe. Um funcionário suíço da Cruz Vermelha foi morto quando uma bomba caiu próximo do escritório da entidade em Donetsk. "Estamos chocados diante dessa morte", declarou Ewan Watson, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. O governo ucraniano e rebeldes acusaram-se mutuamente.

O incidente reabre uma vez mais o debate sobre a existência do cessar-fogo e da insistência do presidente Petro Poroshenko de que seu plano de paz está funcionando. 

Ontem, o governo ucraniano alertou que seu espaço aéreo havia sido violado em "diversas ocasiões" por drones que foram lançados desde cidades da Crimeia. O aeroporto de Donetsk foi ainda alvo de mais um dia de intensos combates e o líder rebelde, Alexander Zakharchenko, alertou que os separatistas já controlavam 95% do local. Na quarta-feira, dez pessoas foram mortas na região.

Ao Estado, o porta-voz das Forças Armadas, Andriy Lysenko, voltou a negar que esteja à beira de perder o controle do aeroporto, enquanto o Banco Mundial já estima que a economia local vá sofrer uma contração de 8% em 2014. 

Na sala de Klimkin, em Kiev, a bandeira da Ucrânia divide espaço com a bandeira da União Europeia. Mas a preocupação imediata do diplomata é a de garantir que o país volte a controlar seu território. Em uma hora de entrevista, Klimkin era o rosto de um chanceler em um país em guerra. Visivelmente exausto e tenso, o diplomata repetia com frequência que vivia um "momento agitado". Veja a entrevista que ele concedeu ao Estado.  

O inverno está chegando. Como o sr. pode garantir que haverá gás no país e na Europa?

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Nosso compromisso político é de ser um local confiável de trânsito. Em 2006 e 2009, já tivemos esse problema. Mas não é a Ucrânia que tem de ser acusada de nada. Estamos prontos a negociar um acordo. O que é importante é ter um preço de mercado e garantias claras de que o preço será mantido. Por conta disso, fomos ao Tribunal Arbitral Internacional. Tivemos negociações ainda com a UE e Russia. Não seremos nós que vamos impedir um acordo. 

O sr. está disposto a pagar a dívida que existe com a Gazprom?

Colocamos o dinheiro, cerca de US$ 3,1 bilhões, numa conta especial para pagar pelo gás. Mas para nós, é uma solução completa que interessa, incluindo o preço. O dinheiro existe e assim que houver um acordo, o dinheiro será pago. 

Por quanto tempo a Ucrânia tem a capacidade de fornecer gás para sua população?

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Não há uma crise de energia. Temos capacidade de ter um equilíbrio de energia para o inverno e equilibrar a demanda doméstica com gás doméstico e com o que estamos recebendo. Não será um desafio. Estamos prontos para fornecer gás à população e temos a capacidade de fornecer o suficiente para este inverno. A questão não é essa. O maior desafio será o impacto para a economia local e o fornecimento para indústrias. 

Vimos uma série de mortes e ataques desde o anúncio do cessar-fogo. Como o sr. avalia a situação hoje?

Se você analisar a situação, tivemos pelo menos 15 violações do cessar-fogo. Em alguns casos, não são questões importantes. Mas em muitas outras sim. Não podemos mais falar em sucesso real e nem em um cessar-fogo sustentável. Estamos em um momento perigoso. Houve uma série de ataques na quarta-feira e com mortes de militares ucranianos. Nossas tropas estão seguindo o acordo. Posso confirmar que o aeroporto de Donetsk esta sob ataque. Está quebrado o cessar-fogo. Não apenas na retirada de armas pesadas da zona negociada. Mas também pelos ataques. 

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O que vai acontecer então agora?

Precisamos ter um cessar-fogo como precondição para qualquer outra coisa. Mas a questão não é mais sobre nós. Estamos cumprindo. A questão agora é a influencia russa sobre os separatistas. 

Como vai conseguir fazer eleição no leste da Ucrânia diante desse cenário?

Hoje temos dez regiões que estão sob influencia dos combates. Estamos falando sobre isso e como fazer chegar os votos lá. Sabemos que será difícil. Por isso, a prioridade no fundo é a eleição regional, marcada para o dia 7 de dezembro. Isso será crítico. As pessoas de Donetsk precisam eleger aqueles que estejam prontos para reorganizar a vida local. Isso será fundamental para que a descentralização que estamos propondo possa funcionar. 

Qual o caminho até a integração com a UE?

Assinamos o acordo e agora temos de implementá-lo. Temos um entendimento de que a parte de livre comércio somente será feito a partir do fim de 2015. Isso é um esforço para eliminar preocupações dos russos. Moscou apresentou uma série de preocupações e por isso vamos tentar chegar a um entendimento. Por enquanto, vamos ter pleno acesso ao mercado europeu para os nossos produtos. Mas o nosso mercado estará no mesmo nível para poder se adaptar também.

Sua nomeação como chanceler foi visto como uma esperança de uma aproximação com Moscou, já que o sr. nasceu na Rússia. Como o sr. acredita que essa relação com o Kremlin vai se desenvolver? 

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As relações com a Rússia não são baseadas em personalidades. O principal ponto na relação de um país com outro é a confiança. Não existe confiança hoje por conta da ocupação da Ucrânia, pela invasão. Será um período muito difícil. Vamos tentar construir confiança. Mas isso significa a total retirada de tropas russas, um controle das fronteiras, a troca de reféns. Isso tudo precisa ser monitorado de forma internacional. Restaurar o controle sobre a Crimeia. Até que isso não ocorra, não há como ter uma relação normal. Hoje temos de trabalhar com coisas concretas. É uma questão de cumprir acordos. É uma questão que as sociedades precisam se perguntar e decidir que relação teremos. 

O Brasil se absteve na resolução da ONU sobre a Crimeia. Como isso tem afetado a relação entre Kiev e Brasília?

Valorizamos a relação com o Brasil. É um ator estratégico. Não é só política e economia. Temos uma série de projetos e apostamos que nossa tecnologia espacial tenha a capacidade de suprir nossas ambições. Vamos seguir com o processo em Alcântara (cooperação no setor de satélites) e, no futuro, o primeiro lançamento será muito simbólico. Estamos também conversando sobre a possibilidade de um acordo com o Mercosul. Já a posição do Brasil é muito clara e o País defende a nossa soberania. 

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