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Esterilizadas à força querem qualquer um menos filha de Fujimori no poder

Entre 1995 e 2001, 280 mil mulheres e 20 mil homens passaram por processo de esterilização como parte do planejamento familiar imposto por Alberto Fujimori; vítimas rejeitam candidatura da herdeira do ex-presidente na votação de amanhã

Por Lima
Atualização:

A favorita para vencer pelo menos o primeiro turno da eleição presidencial de amanhã no Peru, Keiko Fujimori, é a mais rejeitada por milhares de mulheres esterilizadas à força durante o mandato de Alberto Fujimori (1990-2000). A líder quíchua Rute Zuñiga, de 45 anos, chora ao pensar na hipótese.

“Preferimos que qualquer um ganhe, menos Keiko. Sofremos até hoje com a maldade que o pai dela nos fez e não queremos isso para nossos filhos”, afirma a indígena de Pampaconga, que teve uma laqueadura feita à força em fevereiro de 1999, um mês depois de ter uma menina, hoje com 17 anos. 

Vítimas de esterilizações forçadas durante presidência de Fujimori rejeitam Keiko e decidiram apoiar Verónika Foto: JULIO ANGULO/LA REPUBLICA

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Entre 1995 e 2001, segundo a Defensoria Pública peruana, 280 mil mulheres foram esterilizadas e 20 mil homens sofreram vasectomia em um processo de planejamento familiar imposto por Fujimori. Em sua maioria, as vítimas eram indígenas com baixa instrução formal – muitas não falavam espanhol.

Para essas mulheres, o segundo turno para o qual Keiko parece ter lugar garantido, no dia 5 de junho – pesquisas lhe dão pelo menos 34% da intenção de voto – representa uma esperança. A filha de Fujimori tem um alto porcentual de rejeição (44%), mas não há sinais de aproximação dos candidatos que ainda têm chance de ser seu rival. A figura ascendente é a candidata de esquerda Verónika Mendoza, psicóloga de 35 anos. Ela aparece em empate técnico segundo a maioria das sondagens de opinião com o economista Pedro Pablo Kuczynski, empresário e economista de 77 anos. 

“Decidimos apoiar Verónika, mas no segundo turno votaremos em qualquer um que não seja a filha dele (Fujimori)”, diz Rute. Ela diz ter sido levada à força por três enfermeiras, com a desculpa de que precisava voltar ao hospital para tomar vacinas com a filha.

“Amarraram minhas mãos e meus pés, me deram soro e me cortaram. Eu disse que não queria, que era nova, que era pai e mão dos meus filhos. Não consegui fugir”, afirma. A indígena descreve um quadro posterior detectado por especialistas de organizações que se dedicam a registrar os casos para descobrir quantas das 280 mil foram efetivamente operadas à força e quantas foram enganadas com falsas promessas ou pequenos presentes para cumprir a meta do governo. 

“Não foram vítimas urbanas. Foram escolhidos alvos com pouca instrução e pobres, para quem ter filhos está muito ligado à fertilidade da terra”, analisa Romi García, integrante da ONG Demus, que computou 2.074 vítimas, a quem representam na Justiça. 

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“Keiko admitiu 30 casos, o que é uma provocação. Também sou pessimista em relação ao direito delas em caso de vitória fujimorista”, diz Romi. A Anistia Internacional trabalha para que um registro nacional que o governo instituiu no ano passado garanta alguma reparação. “Há milhares de vítimas de crimes que ocorreram há mais de 18 anos. O vencedor terá de cumprir com os direitos humanos”, espera Marina Navarro, diretora da AI no Peru.

Rute diz que pretendia ter pelo menos mais um filho – ficou com dois homens, de 25 e 23 anos, e duas mulheres, de 20 e 17 anos. Só a mais nova vive com ela na casa de terra batida e telhado de palha, ao lado do marido. “Os homens quíchuas não trabalham, só bebem. Um ano depois da operação, comecei a ter muita dor não consegui voltar para o campo, onde plantava milho, trigo batata. Meu casamento acabou. Não me separo para não dar mau exemplo aos meus filhos”, diz, emocionada. 

Rute vive hoje da venda de tamales (similar à paçoca) por 1 sol (R$ 1,06) e chicha morada (fermentado de milho), vendida pela metade disso. Se distrai com o rádio depois que a única TV queimou.

“Eu ia me cuidar, ter mais um filho no máximo. Ter 10, como algumas famílias têm, é demais. Uns 6 ou 7 são o ideal para ajudar no trabalho e ter uma terra produtiva”, pondera, prometendo protesto de milhares de esterilizadas em uma marcha até Lima se Keiko se tornar presidente.

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