Execuções do EI incentivam reforma de Carta japonesa

Premiê quer mudanças na Constituição pacifista para permitir que país vá à guerra em casos de ameaças ou ataques a aliados

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Por Renata Tranches
Atualização:

SÃO PAULO - A execução dos dois reféns japoneses pelo Estado Islâmico (EI) fez aumentar a aceitação pública às políticas do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, para fortalecer a defesa do país. Por outro lado, a oposição o acusa de ter despertado a ira dos extremistas quando anunciou, antes das mortes, o envio de US$ 200 milhões em ajuda humanitária aos países que combatem o grupo no Iraque e na Síria. A quantia foi a mesma pedida como resgate pelo EI. Segundo a Constituição japonesa - escrita pelas forças de ocupação americanas após a 2.ª Guerra - o papel das Forças Armadas é estritamente de autodefesa. O artigo 9, especificamente, proíbe a guerra. Desde que chegou ao poder, em 2012, Abe tem avançado em seus esforços por uma reforma da Carta a fim de obter uma defesa mais "normal" e menos dependente da proteção americana, como explicou o ex-oficial de relacionamento da Marinha americana para as Forças Terrestres de Autodefesa do Japão Graham Newsham, em entrevista ao Estado.

Defesa. Shinzo Abe conta com apoio popular para suas políticas Foto: Toru Hanai/Reuters

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Segundo ele, a opinião pública do Japão aceita cada vez mais a ideia de o país exercer seu direito à "autodefesa coletiva", uma proposta apresentada pelo premiê que deverá ser aprovada este ano. Trata-se de uma reinterpretação da Constituição japonesa para que o país possa aumentar sua cooperação de segurança com nações aliadas.

Abe tem conseguido outras vitórias políticas na área, como o aumento da capacidade das Forças de Autodefesa (JSDF, na sigla em inglês), a manutenção de gastos militares e incremento de parcerias militares com países da região e europeus. "São grandes conquistas, se considerarmos o estado da defesa nacional do Japão cinco anos atrás", ponderou Newsham, hoje pesquisador sênior do Fórum Japão para Estudos Estratégicos, em Tóquio.

Até o assassinato dos reféns Kenji Goto e Haruna Yukawa na Síria pelos extremistas islâmicos, os esforços de Abe vinham se concentrando em conter o avanço da presença militar chinesa na região Ásia-Pacífico, com um grau bem mais modesto fora dali.

As mortes, no entanto, ajudaram Abe a conseguir apoio para planos de maior alcance, como permissões para enviar soldados em missões internacionais, avaliou Newsham.

Um desses planos é remoldar a aliança entre Japão e EUA, que, segundo o especialista esteve "perigosamente desiquilibrada" há alguns anos. "Os EUA forneciam o grosso da defesa enquanto o Japão fazia apenas uma singela contribuição. Isso não era politicamente sustentável em Washington."

Outro aspecto é quanto à realização de operações militares no exterior para resgatar cidadãos japoneses, como defendeu Abe, na terça-feira, no Parlamento. Esse ponto, porém, é criticado por vários analistas, já que outras nações, até mesmo os EUA, a maior potência militar, não foram capazes de salvar seus cidadãos das garras do EI.

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"Se o Japão tivesse qualquer condição de mandar uma equipe para resgatar os reféns na Síria, os parlamentares teriam encontrado uma justificativa. No entanto, o país tem capacidade zero para esse tipo de missão."

A visita ao Parlamento também rendeu críticas ao premiê. A oposição questionou os motivos de ter anunciado ajuda humanitária para os países que combatem o EI mesmo sabendo que o grupo mantinha dois reféns japoneses.

O deputado comunista Akira Koike disse que Abe tinha "alguma responsabilidade" pelas mortes. "Sua pergunta faz parecer que não podemos criticar terroristas", respondeu Abe.

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