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Exílio de líderes separatistas da Catalunha confunde população

Puigdemont, governador destituído da Catalunha, promete criar estrutura na Bélgica para coordenar seu governo, após medidas de Madri e prisões desanimarem independentistas

Por Andrei Netto e Barcelona
Atualização:

BARCELONA - De Bruxelas, onde se refugiou há 10 dias com seus assessores mais próximos, escapando da prisão decretada pelo governo espanhol, o governador destituído da Catalunha deu ontem pela primeira vez uma satisfação a seus governados. Em nota, Carles Puigdemont disse entender “a desorientação causada por nossa falta de respostas rápidas aos ataques desmedidos contra os representantes e as instituições legítimas catalãs”.

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Ele prometeu criar uma “estrutura estável” para coordenar seu governo da Bélgica, sem sinais de que voltará a Barcelona. A mobilização independentista diminuiu desde sua partida e desde que o executivo central, presidido por Mariano Rajoy, destituiu o governo local, dissolveu seu Parlamento e convocou eleições regionais para 21 de dezembro. Os militantes sentiram o vazio de poder.

Angel Astor, de 65 anos, diretor de recursos humanos aposentado, na Praça Sant Jaume. “Estamos pior que há 40 anos com a ditadura de Franco, porque ele era coerente, era um militar que reprimia.FOTO ANDREI NETTO/ESTADAO Foto: ANDREI NETTO/ESTADAO

No momento em que o Legislativo catalão declarou a independência, no dia 27, Xavi Malet fixou os olhos no ponto mais alto do prédio, à espera que a bandeira da Espanha fosse arriada do mastro, cedendo lugar à estrelada, o símbolo máximo da Catalunha independente. Mas o pavilhão vermelho e amarelo da coroa espanhola seguiu tremulando sobre a Praça de Jaume, no centro de Barcelona, e então o designer catalão independentista observou: “As pessoas se olharam e disseram: aí tem algo errado”.

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Dias depois, os militantes da secessão da Catalunha se dividem entre a decepção com o fracasso da tentativa de independência levada a cabo pelo Parlamento e a indignação recente com as prisões de líderes do movimento secessionista. Ontem, a Promotoria pediu a prisão da presidente do Parlamento catalão, Carme Forcadell, e outros três parlamentares investigados por sedição e rebelião.

A sensação de desânimo se agravou quando Barcelona foi abandonada por parte dos líderes separatistas. Puigdemont viajou a Bruxelas acompanhado de sete de seus ex-secretários de Estado, deixando que os interventores de Madri assumissem os postos no Executivo sem resistência.

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O que era para ser um grito de liberdade a ser defendido a qualquer custo mostrou-se uma declaração simbólica importante, mas vazia de valor jurídico e de força política, que escancarou uma realidade: a sonhada independência não foi para valer – por enquanto. “Quando Puigdemont veio e disse que estava em Bruxelas, as pessoas não o consideraram um traidor porque tinha partido. Mas entenderam que Madri tinha a força e nesse aspecto não poderíamos ganhar”, diz Malet, catalão independentista convicto, morador do bairro de Gràcia, em Barcelona. “É claro que baixou um pouco o ânimo, mas vamos seguir trabalhando”, garante. 

Entre os secessionistas ouvidos pelo Estado, o clima é de decepção com o atual cenário político e com a eficácia da intervenção de Madri, que, valendo-se do Artigo 155 da Constituição, assumiu o controle das instituições catalãs e governará nas próximas semanas. Engenheiro nascido em Mataró, balneário situado a 30 quilômetros de Barcelona, Sergi N.P. esteve na linha de frente para defender escolas da ação da polícia durante o plebiscito de 1º de outubro. Mas ele não pôde conter a ironia ao ser questionando sobre o cenário político. “Independência? Que independência?!”, brincou, em uma crítica velada aos líderes secessionistas. 

Até militantes folclóricos da causa independentista, como Lluis Villacorta, mostravam-se desconcertados pela atual situação do movimento de luta pela secessão. Mas isso não impediu Villacorta de continuara ir todos os dias à Praça Sant Jaume, em frente à sede do Executivo regional, com o corpo pintado de vermelho e amarelo, com uma mordaça na boca e com um cartaz nas mãos em que se lê: “A Catalunha é uma nação oprimida”. “Na sexta-feira (dia 27) a praça estava cheia. Depois não teve mais ninguém. Não entendo o que aconteceu”, confessou. 

O que ocorreu nesses dias é que parte importante do movimento secessionista foi abalado pelas medidas de Madri: a primeira foi a prisão de dois líderes da campanha pela independência, Jordi Sánchez e Jordi Cuixart. Sem seus líderes, as entidades parecem ter perdido suas capacidades de articulação.

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Além das prisões, a intervenção realizada pelo premiê da Espanha, Mariano Rajoy, demonstrou-se bem-sucedida à medida que não usou a força, apenas o peso político, para assumir o controle da administração catalã. Rajoy também convocou eleições regionais antecipadas e em um curto prazo.

A ideia de colocar líderes catalães na prisão, entretanto, produziu efeito contrário. “Estou aqui por muitas razões: proteger nossas instituições, nossos representantes, nossa dignidade”, disse na semana passada Angel Astor, de 65 anos, diretor de recursos humanos aposentado, sob o som do hino da Catalunha na Praça Sant Jaume. “Estamos pior que há 40 anos com a ditadura de Franco, porque ele era coerente, era um militar que reprimia. Hoje é insuportável, porque com a máscara da democracia vivemos a mesma repressão. Fomos traídos pelos políticos de hoje.”

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