Fazer a paz colombiana

Sucesso das negociações com as Farc é fruto de bom planejamento

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Por Juan Manuel Santos
Atualização:

Os colombianos estão perto de pôr fim ao mais antigo e único conflito armado que ainda persiste no mundo ocidental. Depois de mais de cinco anos de negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), pode-se dizer que chegamos a uma fase irreversível, que sepultará mais de 50 anos de uma guerra cruel e dispendiosa.

Neste período, todos os meus antecessores tentaram chegar à paz com as Farc, maior e mais antiga guerrilha da América Latina. Nenhum deles foi bem-sucedido. Se assim é, por que razão o atual processo de paz alcançou sucesso?

Juan Manuel Santos,presidente da Colômbia Foto: John Vizcaino/Reuters

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Acima de tudo, porque se trata de um processo bem planejado e cuidadosamente executado, que teve início quando conseguimos reunir um conjunto de condições.

Primeiro, foi necessário alterar a correlação de forças militares a favor do Estado colombiano. Depois, tivemos de convencer os líderes das Farc de que era do seu interesse pessoal conduzir negociações sérias e de que jamais conseguiriam alcançar seus objetivos por meio da violência.

Por último, mas não menos importante, implementamos uma mudança radical na nossa política externa, o que conduziu a uma melhora das relações com nossos vizinhos e com o restante da região. Essa situação facilitou o seu apoio relativo à nossa iniciativa e, por conseguinte, o início do processo de paz.

Realizamos negociações secretas há cerca de quatro anos com o objetivo de definir uma agenda limitada e orientada, assim como normas de procedimento claras (cuja ausência se revelou um obstáculo pesado nas negociações anteriores), que nos permitiriam (no pressuposto de que alcançaríamos um acordo) pôr fim ao conflito. Foi a primeira vez que as Farc concordaram com um processo dessa natureza.

O resultado dessa fase foi uma agenda com cinco pontos: desenvolvimento rural, participação política, fim do tráfico de drogas, vítimas e justiça de transição e, finalmente, a pacificação, na qual se incluem o desarmamento, a desmobilização e a reintegração – comumente designados DDR.

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Após a assinatura de um acordo de princípios em Oslo, em outubro de 2012, iniciamos a fase pública de negociações em Cuba. O país anfitrião e a Noruega agiram como avalistas, enquanto a Venezuela e o Chile acompanharam o processo. Mais tarde, os EUA e a União Europeia nomearam enviados especiais para as negociações.

Desde o início, uma das regras básicas das negociações foi a de que nada estaria acordado até que tudo estivesse acordado. Até agora, já resolvemos todos os pontos, à exceção do DDR (desarmamento, desmobilização e reintegração). Para evitar os erros do passado, analisamos as razões que estiveram na origem do insucesso das negociações de paz anteriores na Colômbia, bem como as lições extraídas das negociações de paz realizadas em outros casos.

Selecionamos também um grupo de consultores internacionais com experiência prática em processos de paz para nos ajudar a navegar nas difíceis águas dessa negociação. Posso agora afirmar que fazer a paz é bastante mais difícil do que travar uma guerra – e eu tenho ampla experiência em ambas as situações obtida enquanto fui ministro da Defesa e na atual função de presidente da Colômbia.

Esse processo de paz é inovador em vários aspectos. No centro da solução para o conflito, colocamos as vítimas (mais de 7,5 milhões no nosso caso) e um sistema abrangente para garantir os seus direitos. Concordamos igualmente na instituição de uma jurisdição e de um tribunal especiais para garantir que os responsáveis por crimes de guerra internacionais serão investigados, julgados e condenados, tal como estipulado no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. É a primeira vez que um movimento de guerrilha concordou em desarmar e reconhecer a justiça de transição.

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A paz na Colômbia trará benefícios reais para um mundo repleto de conflitos armados e desejoso de uma história de sucesso. Apesar de ser o país que pagou o preço mais elevado na guerra contra as drogas – uma guerra que já se provou ser impossível de vencer –, a Colômbia ainda é o maior exportador mundial de cocaína. Esse fato desagradável deve-se sobretudo às guerrilhas, que continuaram a proteger a sua principal fonte de rendimento.

A paz alterará essa situação, pois as Farc concordaram em apoiar a substituição do plantio de coca por culturas legais. Na ausência de ameaças de ataque por parte dos guerrilheiros, nossos corajosos soldados, polícias e civis podem realizar seu trabalho sem a ameaça de minas terrestres ou de atiradores furtivos.

No que diz respeito ao meio ambiente, calcula-se que a quantidade de hidrocarbonetos derramada nos nossos rios e oceanos pelos ataques terroristas contra nossos oleodutos ao longo das duas últimas décadas seja superior a quatro milhões de barris. Esse volume é equivalente a 14 vezes a quantidade derramada pelo petroleiro Exxon Valdez. Além disso, no país que alberga a maior biodiversidade do mundo por quilômetro quadrado, 4,4 milhões de hectares de floresta tropical foram destruídos em razão do conflito. O fim do conflito poderá acabar com essa situação – e, desejamos, invertê-la.

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É por isso que os colombianos tiveram a sorte de poder contar com o apoio da região e do mundo. Atualmente, não há um único país que não apoie nosso processo de paz. Prova disso foi a resolução apresentada ao Conselho de Segurança da ONU, que aprovou por unanimidade uma missão internacional destinada a verificar e monitorar o DDR.

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Apesar dos elementos tradicionais de perturbação – sobretudo de natureza interna –, muitos dos quais se opõem ao processo por motivos políticos, estou confiante de que colocaremos esse conflito onde é preciso colocá-lo: nos livros de História. Remodelar a realidade que nos rodeia constitui nosso dever para as gerações futuras. Quando chegarmos ao acordo, quando deixarmos de nos matar uns aos outros após meio século de guerra, removeremos um pesado fardo que tem paralisado nosso progresso e, finalmente, aproveitaremos a oportunidade para escrever um novo capítulo de prosperidade e modernidade para nosso país. / TRADUÇÃO DE TERESA BETTENCOURT

JUAN MANUEL SANTOS É PRESIDENTE DA COLÔMBIA