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Foto de brasileiro 'salva vida' de ucraniana

Maurício Lima, do 'NYT', relata como ajudou a livrar dona de casa da prisão

Por Alessandro Giannini
Atualização:

Publicada no jornal americano The New York Times do dia 25, uma fotografia mudou o destino da ucraniana Irina Dovgan. Feita pelo repórter-fotográfico brasileiro Maurício Lima, que acompanha o jornalista americano Andrew Kramer na cobertura do conflito entre Kiev e os separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia, a imagem que está reproduzida nesta página salvou a vida dela.

Maurício Lima, do "NYT", relata como ajudou a livrar dona de casa da prisão por causa de foto Foto: Maurício Lima/The New York Times

Sob a mira de um insurgente, a dona de casa de 53 anos está envolta em uma bandeira ucraniana, usa "antenas" das cores nacionais e segura um cartaz em que está escrito: "Ela mata nossas crianças". Na frente dela, outra mulher parece gritar todo o tipo de ofensa.

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Maurício conta que ele e Kramer estavam a caminho do hotel, em Donetsk, cidade controlada por milícias pró-Rússia, quando perceberam Irina enrolada na bandeira ucraniana. Logo pediram para o motorista voltar. "Quando descemos do carro, Irina estava visivelmente abalada, com restos de tomate pelo rosto e sobre o cartaz que segurava", contou ele ao

Estado

, em uma troca de e-mails.

A dupla de jornalistas permaneceu no local por apenas dez minutos, tempo suficiente para Irina ser agredida por outras mulheres, receber um chute, alguns tapas no rosto e, de acordo com Maurício, as maiores ofensas que uma mulher pode ouvir. "Os milicianos riam", conta ele.

O brasileiro lembra que outras pessoas paravam para fotografar Irina ou fazer autorretratos ao lado dela. Foi quando um combatente rebelde que passava pela rua viu a cena, parou o carro, desceu e apontou o fuzil para a mulher antes de se fotografar ao lado dela. "Ele trazia uma granada na cintura e uma pistola no bolso da calça", relatou. "Fiz a foto, ele percebeu e me pediu para apagar."

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A tensão, as fotos e a presença do combatente ajudaram, segundo o relato de Maurício, a criar condições para que líderes rebeldes fossem acionados e Irina levada dali. "Nesse momento, fomos questionados sobre nossa procedência", contou ele. "Após ser informado pelo rádio, o líder deles chegou, verificou nossos documentos e fomos liberados, enquanto Irina era levada para outro local não identificado - talvez para a base deles."

A fotografia dos maus-tratos de Irina, acusada de colaborar com o Exército de Kiev, causou comoção na Ucrânia, levou a um esforço concentrado nas redes sociais para identificá-la e atraiu a atenção de monitores de direitos humanos das Nações Unidas. Toda a atenção dirigida ao caso fez com que ela fosse libertada.

No dia 28, o jornalista italiano Mark Franchetti, repórter do diário britânico The Sunday Times, e o repórter fotográfico russo Dmitri Beliakov levantaram o assunto em uma reunião com um comandante rebelde de alto escalão, Aleksandr Khodakovski. "Andrew e eu estávamos presentes na negociação com Khodakovski, comandante do Batalhão Vostok, o mais ativo da autoproclamada República Popular de Donetsk", escreveu Maurício.

Após a reunião com os jornalistas, Khodakovski ordenou a libertação de Irina logo em seguida. O comandante disse que os responsáveis pelo ocorrido seriam "disciplinados". "Não importa o que ela fez", disse ele. "Ela não deveria ter sido tratada daquela forma."

Com a mesma roupa que usava quando foi presa dias antes, o rosto inchado, Irina chegou a um hotel em Donetsk poucos minutos depois de sua libertação em estado de confusão. "Eu estava preparada para morrer", disse ela aos jornalistas que a esperavam.

Maurício e seus colegas acompanharam a saída de Irina de Donetsk, que foi escoltada justamente pelos rebeldes que a prenderam, até o último posto de controle sob comando dos milicianos, para se encontrar com a filha e o marido. Segundo o fotógrafo, ela viajou sozinha no próprio carro, com a cadela Matilde, três gatos e muitos pertences - o que pode carregar em uma rápida passagem por sua casa. No meio do caminho, parou para abastecer e usar o celular.

"Soubemos, então, que a filha não estaria presente, mas ao se encontrar com o marido no estacionamento de um supermercado, em Mariupol, ela começou a chorar e não conseguia sair do carro", conta o brasileiro. "Minutos depois, eles vieram falar conosco. O marido dela agradeceu a Andrew pela reportagem e Irina começou a chorar ao se despedir de mim com um beijo e um longo abraço. Disse que estava preparada para morrer, mas fotos salvaram a vida dela."

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/ COM NYT

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