França vai limitar financiamento de centros islâmicos

Premiê Manuel Valls anuncia novo mecanismo para barrar envio de dinheiro estrangeiro para mesquitas e fomentar um 'Islã francês'

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Por ANDREI NETTO , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

O governo francês enfrentará o financiamento externo para a construção de centros religiosos e comunitários muçulmanos na França. A ideia é restringir a influência econômica e religiosa de pregadores estrangeiros para reduzir o doutrinamento radical.

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O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, afirmou que, além de lançar novas ferramentas de financiamento, o governo estimulará a formação de novos imãs. Segundo o premiê, os obstáculos à afirmação de um "Islã da França", que seja moderado e respeite o Estado secular, serão removidos.

A iniciativa faz parte de uma ofensiva governamental contra a radicalização de jovens muçulmanos, em especial nas periferias de grandes cidades, como Paris. O problema se tornou evidente depois dos atentados de 7, 8 e 9 de janeiro na capital, quando 17 pessoas morreram em ataques cometidos por três franceses muçulmanos.

"Queremos que todos, e vocês (muçulmanos) em primeiro lugar, vejam a profundidade dos problemas de que é preciso tratar agora", afirmou Valls em discurso na Grande Mesquita de Estrasburgo.

Entre as medidas, estão criar uma nova entidade central para o Islã na França, estimular a formação de novos imãs - os líderes religiosos que servem como guias espirituais -, ampliar o ensino da secularidade - ou seja, da separação entre o Estado e as religiões - nos cursos e reduzir o financiamento estrangeiro para a construção de mesquitas, centros culturais e comunitários na França. "As mesquitas maiores e mais dignas já foram construídas. Agora, é no campo da formação que será preciso investir", justificou o premiê.

Segundo Valls, um dos objetivos é criar linhas de crédito que permitam às entidades muçulmanas da França encontrar no país o financiamento de que precisam para construir sua infraestrutura. "Queremos acabar com o reflexo de pedir o apoio de Estados estrangeiros. Temos toda a energia e recursos necessários ao desenvolvimento do Islã." Até o final de 2015, o número de estabelecimentos que poderão oferecer cursos de secularismo dobrará, chegando a 12.

O tema da influência dos imãs nas comunidades muçulmanas da França é um dos mais discutidos desde os atentados de Paris. A estratégia do governo tem como base um relatório da Faculdade de Direito da Universidade de Estrasburgo, sob a direção do jurista Francis Messner, diretor emérito de Pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), que já alertava para o risco de radicalismo caso o tema não fosse tratado.

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Ao

Estado

, o imã da Mesquita Al-Nour e presidente da Associação Cultural dos Muçulmanos da cidade de Drancy, Hassen Chalghoumi, uma das autoridades muçulmanas mais respeitadas e polêmicas da França, disse concordar com as medidas adotadas pelo governo.

"Ainda não existe um Islã da França ou um Islã da Europa, o que eu defendo com todas as forças. Defendo um Islã que seja independente do Islã praticado em outros países, sem interferência externa", afirmou. "A formação de imãs deve acontecer, assim como acontece a formação de rabinos no judaísmo e de padres na Igreja. Então, teremos uma formação de imãs que se adaptem à Europa e não misturem perigosamente a religião à política, como fazem movimentos como o salafismo e a Irmandade Muçulmana."

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Desde os ataques terroristas, o Ministério do Interior e o Ministério da Educação criaram um grupo de trabalho conjunto para enfrentar o radicalismo islâmico na França e tentar reduzir a influência de grupos muçulmanos estrangeiros suspeitos pregar o Islã radical e, em casos extremos, o jihadismo e o terrorismo. Na segunda-feira, o Ministério das Finanças revelou que investirá 990 milhões em medidas de segurança emergenciais, contratação de pessoal para agências de informação e investimentos em iniciativas de caráter pedagógico.

A França é um país que valoriza muito a ideia de laicidade, a separação completa entre as instituições públicas do Estado e as religiões. Em 2004, considerando esse princípio, o governo do presidente Jacques Chirac decidiu banir os símbolos religiosos das escolas públicas, como véus islâmicos femininos, o quipá judaico e o crucifixo, apesar da reprovação da medida pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em 2010, uma nova lei, dessa vez criada pelo governo do presidente Nicolas Sarkozy, proibiu a "dissimulação do rosto" em espaços públicos, uma manobra para proibir o véu islâmico integral, o niqab. É em nome da laicidade que os desenhistas do jornal satírico Charlie Hebdo reiteram seu direito à crítica e à blasfêmia, que não são considerados crime na França.

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