Francesa ex-militante da extrema direita é julgada por ajudar imigrante 'por amor'

Auxiliar de enfermagem se apaixonou por refugiado iraniano que vivia no acampamento de Calais e o ajudou a comprar barco para levá-lo à Inglaterra

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Por Redação
Atualização:

PARIS - Numa história digna dos filmes, uma ex-militante do extremista Frente Nacional (FN) e viúva de um policial foi considerada culpada por ter ajudado um imigrante iraniano, pelo qual se apaixonou, a entrar em território britânico. 

A Justiça considerou Béatrice Huret culpada, mas a isentou de pena. Os juízes de Boulogne-sur-mer (norte) não mantiveram as acusações com circunstâncias agravantes de "organização criminosa" e de "colocar em risco a vida de outros", como pedia o Ministério Público. 

A francesa Béatrice Huret exibe foto de Mokhtar no celular ao chegar a tribunal Foto: Philippe Huguen/AFP

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Após a sentença, Béatrice afirmou estar "aliviada". Ao chegar ao tribunal, a francesa de 44 anos comentou que, com o julgamento, todos compreenderiam o que ela havia feito. 

"O objetivo da minha vida é ele (Mokhtar). Estou disposta a dar minha vida por ele. A única coisa que me preocupa é que não poderei vê-lo, se eu for para a prisão", afirmou.

Na madrugada de 11 de junho de 2016, em uma praia, Béatrice Huret acalentou Mokhtar em seus braços. Após passar oito meses no acampamento de Calais, ao norte da França, esse iraniano partia com dois refugiados em uma pequena embarcação rumo à Inglaterra.

Ela os ajudou a comprar o barco na internet, além de organizar a viagem.

"Se eu não tivesse feito isso, eles teriam achado outra pessoa para fazê-lo. Era o objetivo deles, e não pude fazer nada para fazê-los mudar de ideia", ressalta ela, em sua casa a 25 km de Calais.

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Sua história de amor teve início em fevereiro de 2015. A ex-auxiliar de enfermagem conheceu a "selva" de Calais por coincidência, quando deu carona a um jovem sudanês até a entrada do campo de refugiados. "Me incomodou ver todas aquelas pessoas, caminhando em meio à lama", lembra ela.

A "selva", na qual viviam entre 6 mil e 8 mil imigrantes em condições insalubres, na esperança de ir para a Inglaterra, foi desmantelada em novembro de 2016 pelas autoridades francesas.

Béatrice Huret se tornou voluntária e, um ano mais tarde, veria Mokhtar pela primeira vez. Ele foi um dos manifestantes iranianos que se revoltaram contra o fechamento de parte do acampamento.

"Meu inglês se limitava a 'hello, thank you, goodbye'. Por isso, não falei com ele imediatamente. Ele que se levantou para me trazer chá, pareceu-me gentil, tranquilo, e seu olhar... foi paixão à primeira vista", conta ela, enquanto fuma um cigarro atrás do outro.

'Google tradutor'. Passados dois meses, um outro voluntário pediu a Béatrice para alojar Mokhtar, que planejava ir até a Inglaterra de caminhão. Ela aceitou, o plano fracassou, e Mokhtar acabou ficando um mês na casa dela. Béatrice vivia com a mãe, de 76 anos, e com o filho, Florian, de 19.

"Nossa história de amor começou nessa época, com a ajuda do Google tradutor", contou.

Não foi fácil para essa mulher que apoiava o partido francês de extrema direita Frente Nacional e foi casada com um policial durante 20 anos.

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Em sua época de casada, trabalhava à noite como auxiliar de enfermagem em uma casa de idosos, cuidava do filho, dormia um pouco, fazia as tarefas domésticas...

"Tinha uma vida comum, votava na Frente Nacional, assim como meu marido", reconhece.

O iraniano, de 37 anos, era professor de língua persa no Irã. Agora, vive em Sheffield, na Inglaterra, onde conseguiu um visto de trabalho. A cada dois fins de semana, ela vai visitá-lo. Seu inglês melhorou: "Entendo tudo, mas continuo tendo dificuldade para falar", diz, sorrindo.

Dois meses após a viagem de Mokhtar rumo à Inglaterra, Béatrice Huret foi convocada a depor na delegacia, onde o seu ex-marido trabalhava. "Disse-lhes toda a verdade, porque não acreditava ter feito nada de ilegal", admite. / AFP 

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