A onda populista que passou por Reino Unido e EUA, no ano passado, deve sofrer seu maior revés na França hoje. Mais de 47 milhões de eleitores decidirão o vencedor das eleições presidenciais no país, acompanhadas de perto pela comunidade internacional. O centrista Emmanuel Macron é favorito para vencer a nacionalista Marine Le Pen no segundo turno da corrida ao Palácio do Eliseu.
Segundo pesquisas, a vitória de Macron deve ser ampla, mas sob alta abstenção. O vencedor comandará a quinta maior economia do mundo, um dos dois líderes da União Europeia e um dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU. Por isso, e diante da onda populista que resultou do Brexit e da eleição de Donald Trump, o pleito é considerado o mais importante do mundo em 2017.
Até dois meses atrás, a favorita era Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido de extrema direita que prega o fim da integração europeia e de sua moeda única, o protecionismo econômico e a xenofobia.
Esse cenário mobilizou personalidades políticas de todo o mundo em favor de Macron, de um lado, e de Marine Le Pen, de outro. No campo pró-globalização, líderes como o ex-presidente americano Barack Obama, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, saíram em defesa do candidato centrista, que criou um novo partido independente, o En Marche! (Em Movimento!) há 13 meses. Em favor da nacionalista, dois líderes relevantes demonstraram simpatias: os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da Rússia, Vladimir Putin.
Em meio ao jogo geopolítico e em uma campanha marcada pela beligerância, pelas informações falsas em redes sociais, que terminou com o vazamento de dados da campanha de Macron – como aconteceu com Hillary Clinton nos EUA –, os franceses se mobilizaram em duas grandes eleições prévias, realizadas pelos tradicionais partidos Socialista e Republicanos.
Ambos os candidatos foram eliminados no primeiro turno, há duas semanas, encerrando um ciclo de bipartidarismo iniciado em 1981. Macron e Le Pen foram os escolhidos e hoje voltam às urnas para decidir quem governará a França nos próximos cinco anos. O último ponto determinante da eleição ocorreu na noite de quarta-feira, quando Macron e Le Pen se enfrentaram em um debate na TV que parou o país.
Com uma estratégia de ataques violentos e constantes, a nacionalista acabou prejudicando a própria imagem. “A França será dirigida por uma mulher: eu ou Merkel”, disse ela, em tom agressivo, insinuando a incapacidade de Macron de representar a França diante da Alemanha, maior potência econômica da UE. De maneira ponderada, frisando seu programa de governo, o ex-ministro respondeu. “Você é a coprodução do sistema que denuncia”, disparou Macron.
Cinco novas sondagens publicadas na sexta-feira indicaram a vitória do centrista com cerca de dois terços dos votos. Para Jérôme Sainte-Marie, cientista político e diretor do instituto PollingVox, o impacto negativo do debate sobre a imagem de Le Pen foi arrasador. “Ela se perdeu”, disse.
Macron deve vencer, mas vai ficar longe do nível de 2002, quando Jacques Chirac foi eleito com 82,21% após mobilização popular contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine.
Na sexta-feira, o próprio ex-ministro reconheceu que sua vitória não será tão ampla em razão da abstenção e dos votos brancos e nulos. “Chirac era bastante consensual, sobretudo após conviver com um primeiro-ministro de esquerda. Já Macron porta uma política liberal, que fere certas sensibilidades, em especial à esquerda”, afirma Sainte-Marie.
Mais do que uma disputa pela hegemonia política, a eleição francesa é reflexo da luta ideológica na Europa, com pelo menos três fatores comuns: o declínio dos partidos históricos, a ascensão dos extremistas e a UE como centro do debate.
Para Roland Cayrol, cientista político e autor do livro As Razões da Cólera (tradução livre), uma eventual vitória de Macron não representa o fim da Frente Nacional, mas sim uma nova oportunidade de crescer. Para o pesquisador, é quase impossível Le Pen superar seu “teto de vidro” e vencer. Isso, no entanto, não significa sua morte política.
“Tentamos esquerda e direita por décadas. Se este mandato fracassar, não vejo como poderíamos impedir a Frente Nacional de voltar a crescer no futuro”, afirmou Cayrol. “Esta eleição é a última chance.”