'Francisco é hoje o mais importante estadista mundial'

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Por Fernanda Simas
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A visita de Francisco a Cuba é a terceira de um papa ao país e ganha mais importância pela aproximação entre Havana e Washington, na qual o pontífice teve papel fundamental. "Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba", afirma frei Betto, escritor e teólogo brasileiro. Ao Estado, ele ressaltou a "sintonia" da relação do papa com a Teologia da Libertação e avaliou que a atuação política de Francisco difere da exercida por Bento XVI e João Paulo II. A seguir, os principais trechos da entrevista.Qual é o principal objetivo da diplomacia papal hoje? Difere da época do papa Bento XVI? Muito diferente. João Paulo II, em matéria de diplomacia, esteve preocupado em derrubar o Muro de Berlim, e nisso foi exitoso. Bento XVI não gostava de viajar e muito menos se envolver em questões diplomáticas. Já Francisco se empenha decididamente em construir pontes entre as nações, o que justifica seu título de "pontífice", aquele que faz pontes.Qual a importância de um papa latino-americano ter mediado a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA? Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Como americano, demonstra mais sensibilidade aos problemas de nosso continente do que os antecessores. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba, suspensas há mais de 50 anos e retomadas graças à mediação dele.Como o sr. vê a relação de Francisco com a Teologia da Libertação? Há plena sintonia entre o pensamento, as palavras e os gestos de Francisco e os princípios e objetivos da Teologia da Libertação. Como essa corrente teológica, Francisco prioriza a "opção pelos pobres", como demonstrou na viagem ao Equador, à Bolívia e ao Paraguai, e não aponta apenas os efeitos do capitalismo que degrada o meio ambiente, mas também as causas, como fez na encíclica "Louvado Sejas - sobre o cuidado de nossa casa comum".Muitas pessoas passaram a prestar mais atenção ao papa após os discursos de Francisco. O sr. já conversou com ele? Qual a impressão que teve? O papa me recebeu dia 9 de abril de 2014, durante a audiência pública das quartas-feiras, no setor de convidados especiais. Agradeci a ele o apoio dado às Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, em carta que ele enviara ao encontro nacional das CEBs; pedi que valorizasse o papel das mulheres na Igreja (ainda consideradas fiéis de segunda classe, pois são impedidas de acesso ao sacerdócio); lembrei que a Ordem Dominicana faz 800 anos em 2016, e solicitei a reabilitação de dois confrades meus condenados pelo Vaticano, Giordano Bruno e Mestre Eckhart. Ele me disse "reze por isso", como quem dá a entender que está de acordo, mas sabe que não será um processo fácil; e me despedi dizendo Santo Padre, extra pauperis nulla salus - fora dos pobres não há salvação. Ele reagiu enfático: "Estou de acordo, estou de acordo".É possível comparar a atuação de Francisco na retomada das relações Cuba-EUA com a de João XXIII ao não cortar relações com o governo de Fidel Castro? Francisco comemorará, no fim de semana que estará em Cuba, 80 anos da relação diplomática entre a Ilha socialista e a Santa Sé. Jamais se cogitou a ruptura de relações entre os dois Estados, mesmo nos períodos de conflito entre a Revolução e o episcopado cubano. Fidel sempre manteve boas relações com os núncios, como sublinha na entrevista que me concedeu em 1985 e editada sob o título "Fidel e a religião". George W. Bush é que tentou evitar que João Paulo II visitasse Cuba em 1998, mas fracassou. O papa não só fez a visita, como também elogiou as conquistas da Revolução nas áreas de saúde e educação.O sr. acredita que o fato de o Vaticano ter reconhecido o Estado da Palestina pode mudar o rumo do conflito entre Israel e os palestinos? Acredito que foi um importante passo para a defesa dos direitos e a soberania dos palestinos, e para enfatizar o equívoco da atual política do Estado de Israel em relação ao Estado Palestino.

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