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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Frustração sunita explica êxito do Isil, diz diplomata

Para Anuar Nahes, ex-embaixador do Brasil em Bagdá, grupo rebelde só conseguiu avançar onde não encontrou resistência

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Atualização:

A frustração da minoria sunita com o que, na sua visão, foram promessas não cumpridas pelo premiê xiita Nuri al-Maliki explica muito mais o êxito da ofensiva do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isil, na sigla em inglês) do que propriamente a sua capacidade militar.

Os sunitas, em grande medida, simplesmente aceitaram a ocupação e não tiveram ânimo de arriscar a vida pelo regime. Em contraste, onde houve resistência, como no Curdistão, e numa mesquita importante para os xiitas na cidade de Samarra, o Isil não conseguiu avançar.

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A análise é de Anuar Nahes, embaixador do Brasil em Bagdá até a semana passada. "Eles não são lá essas coisas também não", pondera Nahes, que serviu em Bagdá durante dois anos, e agora vai assumir o consulado em Montevidéu - depois de servir no Oriente Médio durante duas décadas, Nahes, de 62 anos, pediu ao Itamaraty para assumir um posto em um raio de duas horas de avião de São Paulo.

Neto de sírio, o diplomata, que já serviu também na Síria e no Catar, além de trabalhar na Divisão de Oriente Médio, reconhece que o território iraquiano está "dividido de fato" entre sunitas, xiitas e curdos, e vê o risco de essa divisão se consolidar, embora não seja de interesse nem dos iraquianos nem dos países vizinhos. "As pessoas que nasceram nesses Estados surgidos de Sykes-Picot (acordo secreto entre a França e a Inglaterra que desenhou as fronteiras do Oriente Médio durante a 1.ª Guerra) têm sentimentos nacionais", observa Nahes.

Além disso, diz ele, os países vizinhos também têm as suas minorias étnicas e religiosas, e temem uma "reação em cadeia".

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A Embaixada do Brasil em Bagdá é vizinha da casa de Ayad Allawi, líder xiita secular, ou seja, oposto à interferência da religião na política, cuja coalizão de partidos suprarreligiosos venceu as eleições gerais de 2010, mas não foi capaz de formar governo. Nahes conversava frequentemente com Allawi, e diz que é possível que o líder secular assuma a chefia de governo, mas aponta para a resistência do primeiro-ministro.

A frente liderada por Maliki, chamada Estado de Direito, venceu as eleições de 30 de abril com 92 das 328 cadeiras do Parlamento, e ele não se mostra disposto a abrir mão do direito de formar governo, apesar de o Estado iraquiano enfrentar sua maior ameaça desde a invasão americana e derrubada do ditador Saddam Hussein, em 2003. Os outros agrupamentos políticos elegeram no máximo 33 deputados. O Parlamento é unicameral.

Nahes acredita que a solução para o Iraque seja uma confederação, com poderes bastante delimitados para o governo central em Bagdá, de maneira a refletir a seguinte realidade: a riqueza do petróleo iraquiano está no sul, onde se concentra a maioria xiita, e no Curdistão, ao norte. Ele também acredita que a consolidação da autonomia do Curdistão e a tomada, pelos curdos, de Kirkuk, a principal cidade produtora de petróleo da região, é a consequência mais duradoura da incursão do Isil. Sob pretexto de defender o Curdistão da ofensiva dos radicais islâmicos, os peshmergas (guerrilheiros curdos) ocuparam Kirkuk, cidade curda que o governo iraquiano mantinha sob seu controle antes da incursão, há duas semanas.

Nahes põe em xeque a imagem que o Isil procura transmitir, de zelosos defensores na fé islâmica. Ele lembra que, ao ocupar Mossul, no norte, a segunda maior cidade iraquiana, os guerrilheiros foram diretamente saquear a sede regional do Banco Central, de onde retiraram mais de US$ 500 milhões. Além disso, eles cometeram estupros. "As prioridades deles eram dinheiro e mulheres."

O embaixador esteve reunido, pouco antes de vir embora, com o ministro da Defesa iraquiano, Saadoun al-Dalaimi. Segundo ele, o ministro, um dos membros sunitas do governo Maliki, demonstrou preocupação com o fato de os combatentes do Isil se misturarem com a população civil. "O que vamos fazer? Matar famílias inteiras?", perguntou o ministro. "O Exército não está preparado para a guerra de guerrilha", constata o diplomata brasileiro.

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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