O governo do primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, tem atuado nos últimos dias para sufocar as movimentações da administração da Catalunha para realizar uma consulta popular na região a respeito da possibilidade de se separar do restante do país. O desejo de independência de parte considerável dos catalães está presente há várias décadas, mas medidas recentes ameaçam acentuar as polarizações entre os independentistas e Madri.
O governo local, a Generalitat de Catalunya, lançou neste mês uma campanha pela consulta popular. O presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, pretende levar a cabo a votação, prevista para o dia 1.º de outubro, porém o governo Rajoy afirma que o pleito seria ilegal e foi suspenso pelo Tribunal Constitucional, a Suprema Corte espanhola.
Autoridades catalãs mandaram em meados de setembro uma carta ao premiê pedindo negociações para a realização da consulta popular, enquanto 700 prefeitos catalães se reuniram em apoio a ela.
Na quarta-feira 20, porém, ao menos 12 funcionários foram presos em escritórios do governo regional catalão. As detenções foram as primeiras desde que a campanha a favor da consulta pela separação começou a ganhar força, em 2011. O Ministério do Interior informou ainda que a polícia apreendeu 10 milhões de cédulas que seriam utilizadas no plebiscito. A Catalunha tem cerca de 5,5 milhões de eleitores, sendo que a maioria deles deseja votar na consulta, embora exista uma divisão sobre a independência.
Milhares de pessoas foram às ruas de Barcelona protestar contra a prisão dos funcionários, enquanto muitas bateram panelas em suas casas contra as ações de Madri. Puigdemont, por sua vez, publicou em sua conta no Twitter na quinta-feira um link no qual era possível verificar os endereços para a consulta popular. Ele também disse que haveria um plano de contingência para a votação, mesmo diante das tentativas de sufocá-la. "Será feito", afirmou ele. "Todo o maquinário do Estado espanhol está orientado para impedir que os catalães votem."
Cenário
O cenário que se instaurou na Espanha é complexo, com as autoridades catalãs firmes na defesa da votação, enquanto o Judiciário e o governo de Madri ressaltam que ela é inconstitucional e não pode ser realizada à revelia das decisões dos magistrados e da Constituição. "Como ninguém quer ceder, é fácil entrever que o que vimos (na quarta-feira) é só o começo da intervenção", previu o jornalista catalão Lluís Bassets em um artigo publicado no jornal El País.
Contrário à votação, Bassets lembrou ainda que o partido de esquerda Candidatura da Unidade Popular (CUP) pressiona para que, caso não se permita o voto, seja produzida uma Declaração Unilateral de Independência. Ele vê como alternativa para a crise a dissolução por Puigdemont do Parlamento regional e a convocação de eleições, mas não acredita nessa possibilidade, já que há pouca disposição para o diálogo. Para o jornalista, aliás, tem faltado também a Rajoy a habilidade para dialogar com a Catalunha.
No mesmo jornal, o advogado Ignacio Arroyo Martínez questiona as regras determinadas pelo governo local para a votação, como o veto à participação de catalães residentes fora da região e também daqueles que vivem na Catalunha, mas são de outras regiões. Arroyo Martínez também discorda do fato de que a intenção seja fazer valer a maioria simples, independentemente do nível de participação em relação ao total dos eleitores. Pesquisas apontam para vitória dos pró-independência, em parte porque os contrários a ela não veem legitimidade no processo e se recusam a participar.
Já no jornal catalão El Diario, o articulista Josep Carles Rius questiona as "medidas repressivas" empreendidas pelo governo de Rajoy, qualificando-as como "um atentado à democracia" e um "abuso de poder". Na avaliação dele, Madri tem falhado em razão da repressão e da falta de diálogo.
A Catalunha produz 20% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol e tem razoável margem de autonomia. Em alguns pontos cruciais, porém, como infraestrutura e controle sobre os impostos, está subordinada ao governo central. O rei Felipe VI afirmou nesta semana que "os direitos dos espanhóis serão preservados", frente a "quem se situa fora da legalidade constitucional e estatutária".
A possibilidade de independência da Catalunha é vista como uma fonte de incerteza política para investidores na Europa. Além do desgaste para Rajoy, a situação pode provocar um impacto econômico, especialmente caso se prolonguem os protestos e o impasse. / Com agências internacionais