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‘Há mais dois Portos de Mariel previstos’

Representante do Brasil em Havana admite matiz ideológico no interesse pela ilha, mas destaca peso político que presença econômica traz

Por Havana
Atualização:

O embaixador Cesário Melantonio está há um ano em Cuba, depois de passagens por Irã e Egito. Na sexta-feira, na sede da missão brasileira no bairro de Miramar, ele defendeu o papel brasileiro na aproximação entre EUA e Cuba, admitiu que o interesse do País pela ilha tem componentes ideológicos e ressaltou: “Há dois outros Portos de Mariel por construir”. A participação do BNDES no financiamento da obra de US$ 957 milhões é alvo de controvérsia. 

O senhor imaginava que a reaproximação entre EUA e Cuba seria tão repentina?

Imaginar, ninguém poderia. Isso estava no horizonte, com base em informação do corpo diplomático em Cuba. Entre os embaixadores estrangeiros com quem converso muito, não conheço um que achasse que aconteceria este mês.

O senhor foi pego de surpresa?

De surpresa, não. Todos especulavam com essa possibilidade para o ano que vem. Não se sabia o mês. 

Por que a mediação do Vaticano e não de países mais próximos, incluindo o Brasil?

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Se sabia tanto da participação do Vaticano quanto do Canadá. Mas esse tipo de operação só funciona se houver segredo. 

Incomoda essa crítica à participação brasileira por não ter sido protagonista no episódio?

Não, porque isso é totalmente falso. Não vou entrar em detalhes, mas o Brasil teve uma participação importante nesse processo, e não é de hoje. O Brasil nunca participou como moderador, como foram o Vaticano e o Canadá. Mas vem facilitando esse tipo de contato. Não é verdade que o País não usou seu peso.

Acordos. Diplomata diz que Brasil teve papel fundamental Foto: Rodrigo Cavalheiro/Estadão

Essa discrição não fez o País levar poucos méritos?

Às vezes não interessa ter mérito público, mas ser eficiente.

Uma das maneiras de fortalecer essa aproximação foi a participação no Porto de Mariel (financiado pelo BNDES e construído pela Odebrecht)?

Não só, mas também. Depois da China e da Venezuela, o Brasil tem a terceira maior presença em Cuba. Mas é preciso esclarecer que não há investimento de empresas estatais. Tem financiamento de bancos estatais. Todo investimento é privado. E empresas só vêm se acharem que vão ter lucro.

O que isso significa em números?

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A China é o primeiro, por seu tamanho. Seus negócios com Cuba chegam a cerca de US$ 2 bilhões. O Brasil tem US$ 700 milhões. A Venezuela é relevante pelo fornecimento do petróleo para Cuba. 

China em primeiro, Venezuela em segundo. Não se presta a uma leitura ideológica o Brasil ser o terceiro?

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Não vou excluir a leitura ideológica, nem negar. Isso seria ir contra a realidade. A maioria dos governos eleitos na América Latina tem governos progressistas, de centro-esquerda ou de esquerda. Essa maioria teve um peso no processo, não só em Cuba como nos EUA. Uma das acusações aos EUA é que não dão atenção à América Latina. Essa aproximação é sinal de que o governo Obama resolveu dar maior atenção à América Latina. Os EUA, olhando para a conferência de Cúpula das Américas de abril no Panamá, estavam isolados não só na América Latina, mas na do Norte, com seu grande parceiro, o Canadá, país que mais manda turistas a Cuba (um em cada três). 

Essa virada na imagem do Obama é natural?

Todo o presidente em final de mandato, tendo oito anos de governo e dois anos pela frente, pensa na imagem que terá na história. Obama teve coragem política. E muito porque em pouco tempo os republicanos consolidarão uma maioria nas duas Casas do Congresso.

A maioria republicana pode complicar uma supressão do embargo?

O fim do embargo é complicado, pois depende da Câmara e do Senado. Mas Obama já tinha liberado mais turistas americanos, já são meio milhão por ano, o segundo grupo.

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O mercado cubano tem só 11 milhões de habitantes. Por que a imagem de que é tão lucrativo e é importante entrar primeiro?

Realmente, o mercado cubano não é o principal. São importantes as possibilidades de usar o Porto de Mariel, o primeiro de três que serão zonas exclusivas, com benefícios fiscais. Serão construídos mais dois em locais ainda não definidos. A ideia é usar Cuba como trampolim para reexportação. Essa é a estratégia para atrair empresas. Antes dessa aproximação com os EUA, Mariel tinha dimensão menor. As restrições que havia de não poder atracar em porto americano por 180 dias após ter parado em porto cubano serão derrogadas. O custo operacional vai diminuir e isso valorizará Mariel. 

Essa segunda etapa do porto também terá empresas brasileiras?

A administração do porto já está concedida a Cingapura desde o início do projeto. A autoridade de portos de Cingapura é altamente eficiente. A zona de atividade exclusiva ainda será dividida em dez setores. Ainda haverá uma licitação.

É vantagem participar só da primeira etapa? A exploração do porto não seria mais benéfica?

Politicamente, é importante. Se você se aproxima de um país em um momento difícil, em que outros não o fazem, quando ele se abre você tem uma credibilidade política maior. Maior presença econômica dá mais peso político. Agora, as autoridades cubanas decidirão quem vai investir quando, como e em que setor. Empresas brasileiras já conhecem o mercado, as dificuldades, as regras, o quadro jurídico e têm rede de contatos. Desde 1985, quando voltamos a ter relações diplomáticas, a aproximação com Cuba nunca recuou. Claro que com o presidente Lula e a presidente Dilma ela se acentuou.

Essa simpatia pelos brasileiros, o fato de cubanos mencionarem as novelas, ajuda o Brasil?

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Esse soft power é inegável. O interesse pela cultura brasileira vem das novelas, eles têm uma grande identificação com os personagens. A sociedade brasileira e a cubana se parecem muito. Mas também tem uma afinidade muito grande pela proximidade de ambos com a África. 

Esse consumo de tecnologia exibido nas novelas pode estimular uma mudança de mentalidade, caso se confirme essa melhora no acesso à internet? 

Isso vai acontecer. Uma das áreas mais afetadas será a dos bancos, com a utilização de cartões de créditos de americanos (cartões de cidadãos de outros países já são aceitos). A melhora em internet, telefonia celular e fixa vai ocorrer.

O acesso à informação livre e rápida pode mudar o regime?

A modernidade tecnológica é inexorável e qualquer regime tem de conviver com ela. 

Esse regime é compatível com livre acesso à informação?

Não vou entrar nessa discussão porque não raciocino sobre hipóteses. Melhor esperar que aconteça.

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