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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Ideias contra o radicalismo

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Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

Há exatos 15 anos, três horas depois de o segundo avião se chocar contra as Torres Gêmeas, eu decolava para Israel, no último voo antes do fechamento de seu espaço aéreo. De lá, seguiria para o Paquistão e, finalmente, para o Afeganistão, onde entrevistei líderes do Taleban sobre os motivos pelos quais não entregariam Osama bin Laden, condição imposta pelos Estados Unidos para não bombardear o país. Os atentados de 11 de setembro de 2001 consagraram a Al-Qaeda, não só por sua capacidade de organização, mas, principalmente, pela ousadia e a criatividade daquela ação. Só pessoas que pertenciam a um outro mundo podiam pensar em transformar aviões de passageiros em mísseis, e arregimentar voluntários para pilotá-los na direção de torres de escritórios repletas de pessoas. Aqueles atentados empurraram os limites do terrorismo, elevando a ameaça a um novo patamar. A resposta americana, a “guerra ao terror” de George W. Bush, resultou em fracasso estratégico, militar e em desastre econômico. A invasão do Afeganistão e do Iraque, com a derrubada dos regimes do Taleban e de Saddam Hussein, não aumentou a segurança dos EUA e de seus aliados. Pelo contrário. Barack Obama assumiu em 2009 com outro plano. Primeiro, aumentou o contingente americano em ambos os países, enfraqueceu os inimigos e consolidou, até onde era possível, exércitos e polícias locais. Depois, retirou as tropas, enquanto modificava a doutrina do engajamento das Forças Armadas, deslocando a ênfase das operações terrestres para a coleta de inteligência e o uso de drones. Essa nova estratégia resultou na localização e morte de Bin Laden em maio de 2011. A mais espetacular vitória contra o terrorismo se deu graças a uma meticulosa operação de inteligência, seguida por uma missão de uma pequena unidade das forças especiais da Marinha, e não à extravagante mobilização de forças armadas ou à ilusória “construção de nação”. Foi preciso desistir de moldar esses países e restringir o foco para vencer o inimigo. Num golpe final de propaganda, que é a principal arma do terrorismo, o governo americano escondeu o corpo de Bin Laden - diz tê-lo lançado ao mar - para evitar que se convertesse em ícone. Passados apenas 15 anos, praticamente não se fala da Al-Qaeda. E a principal razão disso não é a morte de Bin Laden. O Estado Islâmico (EI) ocupou o seu lugar, exatamente por sua capacidade de ir além de seu precursor - de empurrar novamente os limites e elevar mais uma vez a ameaça a um patamar acima. O EI age com mais liberdade do que a Al-Qaeda, por uma diferença de objetivos. O da Al-Qaeda é derrubar governos nacionais de nações muçulmanas e instalar em seu lugar teocracias inspiradas na leitura wahabita do Alcorão, originária na Arábia Saudita - e por ela patrocinada. Já o EI pretende passar por cima das fronteiras nacionais e restaurar o califado islâmico universal, como aquele que levou à vertiginosa expansão árabe após as pregações do profeta Maomé.  Esse projeto tem um poder de sedução e de recrutamento muito superior. No imaginário de muitos árabes está enraizada a noção de que o atraso de suas sociedades foi engendrado pelo desenho das fronteiras nacionais no Oriente Médio e no Norte da África pelos ingleses e franceses, no pós-1.ª Guerra. Os árabes foram traídos por eles, convencidos a lutar a seu lado contra o Império Turco Otomano, em troca da promessa de terem depois a sua grande nação, enquanto secretamente firmavam o Tratado de Sykes-Picot, que desenhou os mapas dessas regiões segundo seus interesses. Ao derrubar a cerca de arame farpado e cruzar a fronteira entre a Síria e o Iraque, em junho de 2014, militantes do EI se deixaram filmar dizendo que estavam “apagando Sykes-Picot”.  Essa é uma imagem incrivelmente poderosa para gerações de árabes e muçulmanos que se sentem traídos e menosprezados pelo Ocidente, um sentimento atualizado pela criação do Estado de Israel, em 1948, e pela ocupação de Jerusalém Oriental, em 1967. A barbárie sem limites, sem regras, promovida e habilmente divulgada pelo EI, tornou-se um canal poderoso para os ressentimentos e a agressividade de jovens árabes e muçulmanos em muitas partes do mundo.  Assim como fez Obama com a Al-Qaeda, o combate ao EI exige uma atualização da doutrina de segurança. Nesse sentido, nada mais impróprio do que a promessa de Donald Trump, de ampliar o efetivo, aviões e navios das Forças Armadas americanas. Não é isso que falta. Os bombardeios da coalizão liderada pelos EUA têm cumprido seu papel de cortar as linhas de suprimento do EI no Iraque e na Síria. O intenso emprego da inteligência e das aeronaves não tripuladas tem neutralizado comandantes do grupo. Mas a ameaça terrorista que ele representa, disseminada no mundo todo, precisa ser enfrentada com outra arma, a mesma por ele empregada para mobilizar seus suicidas: a das ideias.  Os governos e, mais do que eles, as sociedades ocidentais, precisam se aliar às parcelas moderadas das comunidades muçulmanas - que representam sua grande maioria silenciosa - para derrotar os extremistas naquilo em que eles são mais fortes, que é a sua mensagem de suposto heroísmo, martírio e fé. Toda vez que publicam mensagens ofensivas ao Islã, ainda que a título de humor, ou que proíbem véus ou burkinis, os ocidentais reforçam os ressentimentos e ficam mais longe de vencer essa batalha. O próprio Ocidente ficará melhor e mais perto de seus próprios valores quando entender, aceitar e celebrar a diferença.