O presidente Hamid Karzai, por exemplo, não é vinculado a nenhuma legenda e sua figura pública é fortemente associada à sua identidade pashtun, grupo ao qual pertence 42% da população. A etnia é sinônimo de poder e comanda o Afeganistão há 300 anos, o que inclui o regime fundamentalista do Taleban.
O único período não-pashtun no governo afegão foram os quatro anos de Burhanuddin Rabbani, o tajique que foi presidente do país de 1992 a 1996, durante a guerra civil que precedeu a chegada do Taleban ao poder. Os tajiques representam 27% da população, se concentram no norte do país e deram origem aos mujahedin afegãos, guerrilheiros islâmicos que combateram os soviéticos com apoio dos EUA entre 1979 e 1989.
A divisão étnica se reflete na disputa pela presidência do país, que opõe o pashtun Ashrafi Ghani a Abdullah Abdullah, que é pashtun-tajique. Apesar da dupla identidade, Abdullah é filiado politicamente ao norte e aos seguidores de Ahmad Shah Massud, o mujahedin tajique que lutou contra os soviéticos e o Taleban e foi morto pela Al-Qaeda dois dias antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
Os dois grupos usam a escrita árabe, mas falam línguas diferentes, ambas de origem persa. Concentrados no sul e no leste do Afeganistão, os pashtun falam pashto, enquanto o idioma tajique é o dari. Em Cabul, é comum que as pessoas dominem os dois idiomas e oscilem de um para o outro, dependendo do interlocutor. Na vida privada, a identidade étnica define casamentos e laços pessoais. Mesmo em Cabul, os matrimônios continuam a ser arranjados pelas famílias e são raros os que unem tajiques e pashtuns.
No Afeganistão, a etnia é mais importante que a divisão entre sunitas e xiitas que domina a guerra sectária no Iraque ou na Síria. Pashtuns e tajiques são sunitas, mesma corrente do islã a que se filia a maioria dos integrantes das 14 etnias do Afeganistão.
O Hazaras, que representam 9% da população, são xiitas e foram perseguidos nos seis anos do regime Taleban, quando a divisão sectária ganhou mais relevância.
* CORRESPONDENTE EM WASHINGTON, ENVIADA AO AFEGANISTÃO, FARÁ NOS PRÓXIMOS DIAS RELATO SOBRE O COTIDIANO DO PAÍS