Imagens retratam perdas sofridas durante regimes militares

Fotógrafo mostra histórias de argentinos e brasileiros que tiveram parentes assassinados durante a repressão

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Foto do author Fernanda Simas
Por Fernanda Simas
Atualização:

Durante os regimes militares argentino (1976-1983) e brasileiro (1964-1984), diversas pessoas, consideradas "subversivas" foram sequestradas e mortas. As famílias dessas pessoas seguiram buscando por justiça e algumas até hoje procuram pelos restos mortais daqueles que perderam.

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Algumas dessas histórias estão retratadas no trabalho "Ausencias", do fotógrafo argentino Gustavo Germano. 

Ele iniciou o projeto quando decidiu que usar a fotografia para falar "do que realmente eu era, familiar de um desaparecido". O fotógrafo foi além de seu país de origem e resolveu retratar a Operação Condor - aliança entre as ditaduras da América do Sul, com o objetivo de eliminar aqueles contrários ao regime.

Em 1976, Gustavo tinha 12 anos e seu irmão mais velho, Eduardo – então com 18 anos – foi sequestrado por agentes do regime militar e nunca mais foi encontrado, entrando para a lista de "desaparecidos". "Começamos o caminho de buscar o corpo e saber o que de fato havia ocorrido. Então vi que muitas famílias passavam pela mesma situação", explica Germano sobre a motivação de retratar outras histórias como a da própria família.

Omar Amestoy, a esposa dele, María del Carmen Fettolini, e seus dois filhos, María Eugênia e Fernando, na época com 5 e 3 anos, respectivamente, foram mortos em San Nicolás, no que ficou conhecido como o massacre da rua Juan B. Justo. Eles haviam abrigado Ana María Granada e seu filho recém-nascido, Manuel Gonçalves Granada. Em 19 de novembro de 1976, militares atacaram a casa, jogando bombas de gás lacrimogêneo, invadiram o local e mataram todos - exceto Manuel.

"Omar sempre foi muito comprometido com as pessoas. Nós descobrimos o que tinha acontecido a partir de uma notícia de jornal e ficamos cinco dias tendo um velório sem corpo", explica Alfredo sobre a busca feita por seus pais para encontrar os corpos de Omar, María e dos dois netos.

A fotografia de 1975, na qual Omar aparece ao lado do irmão Alfredo, foi reproduzida em 2006 por Germano. Dessa vez, um vazio ocupa o lugar daquele que foi morto pelo regime ditatorial. "Este projeto é muito importante para cobrar e manter viva a memória. Sem memória, não seguimos, ficamos atados", considera Miguel Amestoy.

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Luiz Eurico Tejero Lisbôa foi o primeiro desaparecido político a ser localizado. Após sete anos desaparecido, seus restos mortais foram encontrados no cemitério Dom Bosco, em Perus, em São Paulo, sob outro nome, em agosto de 1979.

Atualmente, a esposa de Luiz, Suzana Lisbôa, está fazendo um requerimento para enviar à Comissão Nacional da Verdade pedindo a alteração do atestado de óbito do marido, na qual consta que ele se suicidou. "Eu tenho um laudo que prova que ele não se suicidou."

A primeira fotografia data de sete de março de 1969, quando os dois se casaram, e foi feita na casa da mãe de Suzana. A segunda fotografia foi feita por Germano em 2012. "Não foi fácil para mim e para minha mãe voltarmos ao lugar onde ela morava e de onde eu saí para casar, eu nunca mais tinha voltado lá...No dia foi um contato muito intenso da nossa parte e da parte dele pela identificação."

Suzana, desde que a lei da anistia foi promulgada e ela pode sair da clandestinidade, integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Para ela, é importante que a Comissão da Verdade aponte os agentes responsáveis por torturas e mortes durante o regime militar, mas, além disso, que essas pessoas possam ser responsabilizadas pelos crimes que cometeram. "Não existe verdade sem Justiça."

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João Carlos Haas Sobrinho se formou em medicina em Porto Alegre no ano de 1964 e fez parte do Partido Comunista do Brasil. Ficou conhecido como doutor Juca, atuando no Araguaia.

Seu último contato com a família foi em 1968. Depois disso, apenas em 1979, com o início da abertura política, os familiares começaram a ter conhecimento de seu envolvimento com o movimento de esquerda, por meio de comunicados que começaram a ser divulgados sobre a guerrilha do Araguaia.

Até hoje, a família de João, como conta sua irmã Sônia Maria Haas, continua a busca pelos restos mortais do médico. "É um ponto final, faz parte de um ritual que as famílias não conseguiram cumprir."

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A primeira fotografia data de 1947 e João está com um de seus seis irmãos, o Roberto, e dois primos. Para que a imagem fosse refeita no ano passado, essas pessoas precisaram se reencontrar e Sônia diz que foi uma experiência muito importante. Para ela, o trabalho "Ausências amplia o nosso grito de socorro". "Como João mesmo dizia, tem uma frase que ele disse em sua última entrevista, 'nenhum sacrifício será feito em vão'."

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