Impedidos de chegar à Alemanha, refugiados contam com programa europeu

Com o fechamento da rota para o território alemão e o acordo entre União Europeia e Turquia, imigrantes percebem que o sonho de chegar ao norte europeu pode se tornar impossível

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Por Redação
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ATENAS - Sob a luz forte de uma lâmpada no pequeno apartamento de um quarto onde se abrigou com outros três jovens refugiados sírios, Ismail Haki segurava o pequeno cartão branco onde depositou todas as suas esperanças. “É nossa única chance. Se isso funcionar, não sabemos em qual país vamos parar. Mas pelo menos vamos estar na Europa”, afirmou Haki, enquanto ele e seus amigos mostravam os cartões indicando que haviam entrado com um pedido de asilo na Europa.

Os quatro jovens chegaram à Grécia em fevereiro, depois de uma jornada perigosa saindo de Alepo, cidade síria devastada pela guerra, apenas para encontrar fechado o tão desejado caminho até a Alemanha. Depois de esperar por duas semanas em um acampamento militar, eles buscaram a opção final representada pelo programa de realocação da União Europeia, que, se tiverem sorte, poderá colocá-los em qualquer país da Europa, menos a Alemanha.

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O fechamento da principal rota migratória da Europa para a Alemanha, cuja política de portas abertas em 2015 tornou o país o destino preferencial para os refugiados, levou mais de 50 mil pessoas a ficarem ilhadas na Grécia. Agora, à medida que entra em vigor o acordo da União Europeia de levar os recém-chegados de volta à Turquia, muitos começam a perceber que o sonho de chegar ao norte europeu se tornou virtualmente impossível.

Depois de chegarem, muitos imigrantes tentam encontrar meios de permanecer legalmente em qualquer país da Europa, ou, no pior dos casos, ao menos evitar serem deportados frente às novas políticas para reduzir o número de refugiados.

Alguns estão fazendo o possível para ficar na Grécia, um país repleto de dificuldades e que talvez não seja capaz de integrar tantas pessoas em um momento em que um quarto da população se encontra desempregada. Entretanto, muitos outros refugiados buscam uma vaga no programa de realocação da União Europeia, que pretende acolher 160 mil refugiados, em sua maioria do Oriente Médio, em países de toda a Europa.

“As pessoas estão assustadas. Muitas delas dizem que não têm esperanças”, afirmou Yousif Karoija, um sírio que vive há semanas no Pireus, o porto de Atenas, depois de ser recebido com gás lacrimogêneo ao tentar atravessar a fronteira norte da Grécia. “Agora, essas pessoas vão tentar uma vaga no programa de realocação; elas estão cansadas e aceitam ir a qualquer lugar da Europa”, afirmou, observando uma multidão de quase cinco mil mulheres, crianças e homens acampados em condições precárias nos arredores do porto.

O momento não podia ser pior. Desde que terroristas do Estado Islâmico bombardearam Bruxelas em ataques que mataram 32 pessoas, a União Europeia passou a se concentrar muito mais na segurança, ampliando o prospecto da criação de regras migratórias mais rígidas. Os ataques reavivaram o debate em torno dos imigrantes, à medida que políticos da extrema direita europeia exigem o fim da imigração em discursos que culpam os refugiados pelo terrorismo.

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A Polônia recentemente voltou atrás na promessa de receber mais de seis mil imigrantes no âmbito do programa europeu de realocação, citando os ataques como justificativa. “Não podemos permitir que os eventos da Europa Ocidental se repitam na Polônia”, afirmou Rafal Bochenek, porta-voz do governo conservador.

Para Haki e os homens com quem se abrigou, o futuro parece estar novamente em questão. “Deixamos uma situação perigosa”, afirmou ele, que foi transferido de um acampamento militar próximo a um campo de refugiados em Idomeni para um apartamento cheio de pessoas em um bairro destituído de Atenas, depois de se registrar no programa da agência de refugiados da ONU. “Esperamos que todos os países tenham a mente aberta. Mas depois de Bruxelas, não sei mais.”

Mesmo antes dos atentados, a União Europeia já estava fechando as portas. O novo acordo com a Turquia, que autoriza a deportação de imigrantes a partir do dia 4 de abril, foi firmado rapidamente com o objetivo de dissuadir os refugiados em busca de asilo de continuar as travessias para a Europa, depois que mais de um milhão de sírios chegou ao continente em 2015. Algumas agências de ajuda humanitária deixaram recentemente de trabalhar na Grécia em protesto contra o acordo que, segundo eles, vai contra as legislações internacionais.

Os países contrários à chegada de mais imigrantes também resistiram à adoção do acordo de realocação da União Europeia, que praticamente não entrou em vigor. De acordo com o pacto firmado em setembro, os países europeus concordaram em receber pessoas em busca de asilo que tenham chegado à Grécia ou à Itália, para ajudar a redistribuir parte do fardo.

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Contudo, a Áustria, a Hungria e a Eslováquia se negaram a cumprir o acordo. Outros países estão enrolando o máximo que podem: a França concordou em receber apenas 1.300 imigrantes do total de 19.431 que havia se comprometido a abrigar, ao passo que a Alemanha abriu 40 vagas, das 27.479 prometidas. A Bélgica aceitou apenas 30 dos 3.788 prometidos. Ao todo, menos de mil refugiados foram realocados desde que o pacto entrou em vigor.

Haki ouviu sobre o plano de realocação no acampamento militar, onde a Agência de Refugiados da ONU e organizações de ajuda humanitária oferecem informações e oportunidades de registro. Uma vez registrados, os imigrantes podem se mudar para um dos 20 mil quartos em hotéis, apartamentos e casas financiadas pelas Nações Unidas e operados pela organização grega PRAKSIS, que fornece tickets de alimentação e tratamento médico enquanto os refugiados esperam por uma decisão a respeito de seus pedidos de asilo.

Recentemente, Haki e os outros jovens bebiam chá na varanda do apartamento, onde quatro beliches enchiam um quarto ao lado de uma pequena cozinha. Com exceção de duas famílias gregas, todas as outras pessoas do prédio de cinco andares eram refugiados da Síria ou do Iraque.

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“Precisamos de um futuro. Agora estamos travados. Esperamos, dormimos, fumamos. Mas queremos trabalhar, construir uma vida”, afirmou Mohamoud Sharour, de 23 anos, que contou ter fugido do conflito em Alepo. 

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Todos temiam que os ataques em Bruxelas pudessem acabar com suas chances de chegar à Europa. “Tenho medo que as pessoas achem que somos todos do Estado Islâmico”, afirmou Ahmed Arab, de 22 anos, também de Alepo. “As pessoas assistem à TV, veem que os muçulmanos mataram pessoas, e pensam que todos os muçulmanos são iguais. Mas eu não sou igual a eles. Você acha que nós nos parecemos com os caras do Estado Islâmico?”, perguntou enquanto bebia uma xícara de chá. “Nós temos mais medo que os europeus, porque já passamos antes por isso - bombas e tiros por toda parte. É justamente disso que estamos tentando fugir.”

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