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Imprevisibilidade ajuda Trump a fazer o que ninguém fez

Presidente enfrentará Kim, líder com personalidade parecida, que acredita ser o único no mundo capaz de tomar decisões importantes

Por Peter Baker
Atualização:

WASHINGTON - Quando a classe dirigente disse que ele deveria conversar com a Coreia do Norte, o presidente Donald Trump rejeitou a ideia. “Presidentes e seus governos vêm conversando com a Coreia do Norte há 25 anos e foram tidos como idiotas”, disse. E ameaçou: “Só uma coisa vai funcionar”.

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Sul-coreanos assistem uma programa de TV em Seul mostrando o ditador norte-coreano, Kim Jong-un e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na legenda está escrito: 'Trump aceita oferta para diálogo de Kim Jong-un' Foto: AP Photo/Ahn Young-joon

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Cinco meses depois, Trump deixa de lado seu ceticismo e concorda em conversar com os norte-coreanos, mas sem nenhuma promessa de sucesso em negociações para pôr fim ao programa nuclear e de mísseis, como ocorreu com seus predecessores. A principal diferença, desta vez, é quem estará conversando pelos EUA, ou seja, o próprio Trump.

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Chocante, mas de certa maneira não surpreendente, a decisão de fazer o que nenhum presidente fez, encontrar-se em pessoa com um líder norte-coreano, é uma abordagem audaciosa e autoconfiante. Tanto no caso dos acordos de paz no Oriente Médio ou dos pactos comerciais, Trump afirmou que pode conseguir o que escapou de todos seus antecessores usando a força de sua personalidade.

Até agora, ele não mostrou muita coisa. Ainda terá de negociar, com sucesso, novos acordos comerciais ou renegociar outros mais antigos. Uma solução para a disputa entre Israel e palestinos, que ele afirmou que “pode não ter tão difícil como as pessoas pensam”, parece mais distante do que quando assumiu o cargo. 

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Sua imprevisibilidade, predisposição a mudar de opinião de uma hora para outra e seu entendimento de que só ele consegue tomar decisões importantes vai levá-lo a se defrontar com um homem com tendência similar do outro lado da mesa: o líder norte-coreano Kim Jong-un.

“Em alguns aspectos, há uma simetria”, afirmou Wendy Sherman, diplomata que participou de uma delegação americana que visitou Pyongyang no governo de Bill Clinton. “São dois líderes que acreditam que são as únicas pessoas que importam.”

Outros presidentes enviaram assessores de escalão mais baixo à Coreia do Norte, pois não quiseram recompensar Pyongyang com o prestígio de uma cúpula. Temiam que a reunião mal planejada fosse contraproducente.

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Clinton pensou em ir a Pyongyang nos últimos meses de governo, mas desistiu, em parte em razão da recontagem de votos na Flórida que dominou a eleição de 2000 e porque achou que tinha mais chances de fechar um acordo entre israelenses e palestinos. Não conseguiu nada, mas, depois de deixar o cargo, foi à Coreia do Norte buscar dois americanos mantidos prisioneiros.

Segundo Sherman, a diplomacia é sempre positiva. “Mas esta é uma diplomacia que tem de ser bem preparada. O assunto é muito sério. Não é um reality show.”

Embora a pressão econômica o tenha levado a aceitar negociar, Kim fez algumas concessões para conseguir um encontro com Trump. Ele concordou em suspender os testes nucleares e com mísseis, embora após um ano de testes acelerados, talvez eles não sejam mais necessários. Ele também aceitou os exercícios militares entre EUA e Coreia do Sul, que normalmente o deixam enfurecido.

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“Não consigo imaginar qualquer outro presidente concordando com isso tendo por base os comentários feitos antes por Kim”, disse Christopher Hill, que negociou com a Coreia do Norte durante o governo de George W. Bush. “O problema é se Trump seguir em frente sem claros sinais de que os norte-coreanos estão caminhando para a desnuclearização.”

Trump já havia flertado com uma reunião com Kim. Para James Carafano, da Heritage Foundation, era previsível que ele tratasse pessoalmente do tema. “Trump tem uma boa trajetória no trato com outros líderes. Temos de abandonar essa ideia de que ele é estúpido”, disse.

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De fato, Trump tem se mostrado bem mais entusiasmado em tratar diretamente com líderes estrangeiros do que Obama, mas seus críticos continuam céticos. Apesar de terem insistido para que Trump tentasse a diplomacia, muitos afirmam que isso não significa que ele tenha de interferir pessoalmente. Eles alertam que o presidente não tem um plano bem elaborado para o que poderá conseguir e como o fará. 

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Diante das críticas de Trump ao acordo firmado por Obama com o Irã e com a aproximação da data para anulá-lo, o presidente estaria apressado para firmar qualquer acordo com a Coreia do Norte. “Trump se vê como grande negociador, mas não é bom nisso”, disse Colin Kahl, ex-assessor de segurança de Obama. “Ele é suscetível à manipulação, faz ameaças e promessas que não pode cumprir. E, constantemente, envolve seus aliados. O que não contribui para uma receita de sucesso.”

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