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Comissão de Inquérito da ONU denuncia Síria por crimes de guerra ao usar arma química contra civis

Investigação conduzida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro acusa o Kremlin de atacar hospitais que estavam atendendo as vítimas dos ataques químicos

Por Jamil Chade , correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - No dia 4 de abril de 2017, uma mãe solteira que trabalhava em uma colheita voltaria para sua casa, apenas para descobrir que seus quatro filhos estavam mortos. Eles, assim como dezenas de outras crianças e adultos da cidade síria de Khan Sheikhun, tinham sido alvos de um ataque químico. Agora, a Comissão de Inquérito dos Crimes na Síria na ONU conclui que a ação foi realizada pelo governo de Bashar Assad e o denuncia por crimes de guerra.

As forças russas, que bombardearam instalações médicas antes e depois do ataque químico para impedir que os feridos fossem atendidos, também foram acusadas de crimes de guerra. 

Criança síria recebe tratamento apís ataque tóxico no país. Foto: Mohamed-al-bakour/AFP

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A tarefa de apurar o incidente ficou com a comissão da ONU liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro que, nesta quarta-feira, 6, apresenta suas conclusões. A apuração indicou que um jato da força aérea síria, Su-22, realizou quatro ataques às 6h45 da manhã daquele dia. Apenas uma das quatro bombas estaria carregada com um agente químico, o gás sarin. Mas foi suficiente para matar 83 pessoas e ferir mais 293. 

“Todas as evidências levam a Comissão a concluir que existe base suficiente para acreditar que as forças sírias jogaram a bomba, dispersando o gás sarin em Khan Sheikhun”, escreveu Pinheiro. “O uso de armas químicas está proibido pelo direito humanitário internacional e o uso do gás sarin no dia 4 de abril pelas forças sírias constitui em um crime de guerra”, denunciou.

A Comissão ainda indicou que não encontrou evidências de que o ataque tenha sido realizado por grupos armados da oposição. Também não houve provas das alegações de russos e sírios de que o gás estaria em um depósito atingido pelos ataques. Moscou e Damasco indicavam que um local de armazenamento de armas de fato foi atacado naquele dia. Contudo, isso ocorreu cinco horas depois do incidente com o gás. 

Pinheiro, porém, ainda denunciou que ataques foram realizados naquele mesmo dia contra um centro médico, o único que estava atendendo os sobreviventes do gás sarin. A ação também é considerada um “crime de guerra” e teria sido realizada por forças sírias e russas. 

Dois dias antes do ataque químico, o principal hospital da região também foi destruído por forças sírias e russas, no que a ONU considerou como outro crime de guerra. O Hospital Maarat al-Numan teria sido o único capaz de tratar as vítimas, mas sua destruição foi interpretada como um esforço das autoridades para garantir que não haveria sobreviventes.

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No total, entre 2013 e 2017, a comissão acredita que 25 ataques usando armas químicas foram realizados na Síria, 20 deles perpetrados pelo governo. Além do caso do gás sarin, houve também um ataque de cloro no hospital de Al- Latamneh e nas redondezas. Cerca de 85 pessoas foram afetadas por dificuldades respiratórias. 

Coalizão

Além dos ataques químicos, as investigações também apontam para o impacto “preocupante” das ofensivas aéreas da coalizão internacional sobre civis. Em Alepo, por exemplo, a Comissão denuncia os EUA por não terem protegido de forma suficiente civis, violando as regras humanitárias. Em Raqqa, os combates aos terroristas obrigaram 190 mil pessoas a deixar suas casas e mataram diversas pessoas. 

Na avaliação da Comissão, o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) continua a perder “rapidamente trechos significativos de territórios”, principalmente em Alepo, Homs, na fronteira entre Síria e Iraque e Raqqa, cidade que viu 200 mil civis fugirem dos combates. Ainda assim, a Comissão está “preocupada” com o destino de 50 mil pessoas ainda presas nas ruelas da cidade. No total, Pinheiro estima que cerca de 600 mil sírios estejam sitiados na Síria. 

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Ele indicou que sua comissão investiga “diversas alegações de ataques aéreos” em locais controlados pelo EI e teriam causado ao menos 200 mortes entre os civis. Um dos ataques ocorreu no dia 21 de março contra um hospital que estava sendo usado como abrigo para deslocados internos na Síria. “Os ataques ocorreram durante a noite, quando as famílias estavam dormindo”, disse. 

Testemunhas admitem que duas famílias de combatentes do EI estavam ocupando a escola. Mas eles tinham abandonado o local um mês antes dos ataques. 

Ainda que o combate ao terrorismo seja uma prioridade, a Comissão insiste que a população civil precisa ser protegida e poupada na guerra entre as diferentes facções. 

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Outra acusação dos investigadores se refere aos ataques contra hospitais, levando à instalação de clínicas subterrâneas. Para Pinheiro, com a continuidade das ações, o governo de Assad indica que “continua a colocar como alvo tais instalações como parte de uma estratégia que poderia ser considerada crimes de guerra”.

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