Intervenção de vizinhos para conter uma guerra civil

Punir o setor petrolífero da Venezuela será muito pior e significará impor um grande sofrimento aos venezuelanos

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Por David Smiled
Atualização:

Desde o plebiscito em que mais de 7 milhões de venezuelanos rejeitaram os planos do presidente Nicolás Maduro de instalar uma Assembleia Constituinte, a oposição tem adotado medidas para estabelecer um governo paralelo. É mais uma iniciativa simbólica, mas se ela continuar nesse caminho, em breve, estará buscando reconhecimento e financiamento internacionais e, no mínimo, asseverando implicitamente o direito do governo paralelo a um monopólio legítimo do uso da força. 

Depois disso, buscará o que todo governo deseja: armas para se defender. Se o conseguir, a Venezuela mergulhará numa guerra civil que fará o atual conflito parecer uma briga de socos entre alunos de escola.

Os empresários, acusados por Maduro de travarem uma "guerra econômica" para derrubá-lo, apoiam a greve e alegam que a Constituinte vai instaurar um modelo econômico que levará a uma piora da crise do país Foto: AFP PHOTO / RONALDO SCHEMIDT

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Não podemos censurar oposição por contemplar a criação de um governo paralelo. Esses quase quatro meses de manifestações contra a ditadura de Maduro resultaram em 107 mortes. As esperanças de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) ativasse os mecanismos estabelecidos em sua Carta Democrática foram frustradas. E o governo Maduro, com uma tenacidade leninista que encara a luta como uma oportunidade para consolidar seu projeto, rejeita desistir dos seus planos.

A resposta do governo de Donald Trump foi sugerir que pretende adicionar nomes ao programa já existente de sanções econômicas e analisa sanções mais severas. Mas elas quase certamente tornarão pior a já crítica situação da Venezuela.

Ampliar a lista de autoridades venezuelanas atingidas por sanções dos EUA somente ajudará o governo Maduro a consolidar sua equipe. As sete pessoas que integraram a lista, em 2015, se tornaram figuras indispensáveis ocupando altos postos no regime, como o vice-presidente Tareck el-Aissami. A única autoridade a romper com o governo de Maduro, a procuradora-geral Luisa Ortega, teve seus atos neutralizados por uma Suprema Corte cujos membros foram adicionados à lista em maio.

Uma das pessoas que deve ter seu nome incluído é o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Ele é considerado há muito tempo o ponto fraco no regime e tem sido tratado com suspeita por Maduro. Se Padrino for colocado na lista, o presidente poderá contar com sua lealdade até o fim.

Punir o setor petrolífero da Venezuela será muito pior. Isso significará impor um grande sofrimento aos venezuelanos, muitos deles já numa situação crítica, e causará uma crise de refugiados. Maduro e seu grupo continuarão a se alimentar bem e usarão as sanções americanas para intensificar o argumento que usam para explicar os desastres do governo: que os EUA e outras potências imperialistas estão empreendendo uma guerra econômica contra a Venezuela.

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E essa medida também incentivará vizinhos a se solidarizarem com a Venezuela. As sanções econômicas decretadas pelos EUA, provavelmente, fortalecerão o chavismo na Venezuela nos próximos 55 anos, como foi o caso dos irmãos Castro em Cuba.

Então o que pode ser feito? O debate na OEA ajudou a concentrar a atenção no país, mas não mais do que isso. Neste ponto, qualquer proposta feita pela organização será simplesmente rejeitada pelo governo Maduro. É preciso algo mais do que um voto na OEA. É preciso que haja uma iniciativa proposta por quatro a seis países latino-americanos. 

Não existem parceiros perfeitos. Todos os países relevantes ou estão próximos do governo Maduro ou da oposição. Mas, nações como Uruguai, Equador, Colômbia, Chile, República Dominicana e El Salvador poderiam elaborar juntos um programa que seja do agrado de ambas as partes.

Talvez um país europeu com experiência em mediação e solução de conflitos pudesse contribuir. Representantes especiais do Vaticano, Nações Unidas ou da União Europeia seriam também participantes importantes numa negociação, especialmente para monitorar o cumprimento de um acordo firmado.

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As negociações devem ser realizadas em algum lugar fora da Venezuela e os EUA têm de se manter à margem. O governo Trump pode contribuir muito para facilitar a logística e a diplomacia envolvidas nas negociações. Mas não deve tentar liderar nem adotar medidas unilaterais que podem desviar a atenção.

A esses esforços deve se adicionar uma ameaça de consequências. Ou seja, os países da região têm de se coordenar e falar em uníssono, deixando claro que não reconhecerão como legítima a Constituinte proposta por Maduro, o que vai dificultar a obtenção de financiamento pela Venezuela, e é melhor negociar. Quaisquer sanções consideradas devem ser coletivas, no âmbito de uma agência multilateral ou por um grupo significante de países da região.

Enfim, este problema tem de ser solucionado pelos próprios venezuelanos. No entanto, se os países de peso da região deixarem muito claro que essa desmedida apropriação do poder por Maduro é inaceitável e, ao mesmo tempo, propuserem uma solução para acabar com a crise, um grande avanço poderá ser conseguido. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É PROFESSOR DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE TULANE

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