Irã enfrenta um período de instabilidade

Tocqueville mostra que o período mais difícil em um regime autoritário é quando um país está passando de fechado para aberto

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Por Fareed Zakaria
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O comentário mais esclarecedor sobre o que acontece no Irã agora foi escrito há 162 anos. Em seu livro sobre a Revolução Francesa, Alexis de Tocqueville explicou: “As revoluções nem sempre são ocasionadas por um declínio gradual de mal para pior. As nações que sofreram paciente e quase inconscientemente a opressão mais esmagadora, muitas vezes irromperam na rebelião contra o jugo no momento em que este começou a se tornar mais leve. O regime destruído por uma revolução é quase sempre uma melhoria em relação ao seu antecessor imediato, e a experiência ensina que o momento mais crítico para maus governos é aquele no qual se testemunham seus primeiros passos em direção à reforma”.

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Por que esses protestos ocorrem no Irã e não, digamos, na Coreia do Norte? Essa é a pergunta que Tocqueville nos responde. A relação profundamente antagônica entre Washington e Teerã torna fácil esquecer que o Irã hoje é mais aberto do que muitos outros países no Oriente Médio. Compare o status das mulheres e das minorias na Arábia Saudita e no Irã e você verá que realmente não há comparação. E nos últimos anos, o Irã adotou medidas para uma abertura ainda maior, embora estas tenham sido muitas vezes revogadas, à medida que a linha-dura se impôs sobre os reformadores, no que ainda é um regime no geral repressivo.

A onda de manifestações começou em Mashed, espalhando-se rapidamente. Só na capital Teerã, 450 pessoas foram detidas desde sábado Foto: AP Photo

Ao longo das últimas duas décadas, o país elegeu coerentemente presidentes que se opõem ao establishment linha-dura. Em 1997, elegeu Mohammad Khatami, que agora está sob virtual prisão domiciliar. Então veio Mahmoud Ahmadinejad, cuja retórica e maneiras radicais mascararam o fato de que ele era um estranho ante a “mulacracia” que comandou o Irã desde 1979. Ahmadinejad era um político manhoso e sem credenciais teológicas e, portanto, era considerado uma ameaça para a manutenção do poder dos clérigos.

Hoje, há outro presidente reformista, Hassan Rohani, que foi eleito duas vezes, a segunda vez com uma grande maioria. O establishment linha-dura do Irã empenhou-se em minar a agenda de reformas de Rohani. Na verdade, alguns importantes observadores do país especulam que os protestos foram projetados pelos fundamentalistas, que os usarão para justificar uma repressão e um fim total da reforma.

O Movimento Verde do Irã de 2009 é uma ilustração da tese de Tocqueville. Só aconteceu porque o país realizou eleições, completada com debates, candidatos com pontos de vista opostos e votação secreta. O processo aumentou as esperanças de muitos iranianos, que ficaram profundamente desapontados quando, no final, acreditou-se que as eleições tenham sido manipuladas e o candidato mais reformista foi derrotado. No Egito de hoje, ninguém espera uma eleição verdadeira, então quando o general Abdel-Fattah el-Sissi recebe 97% dos votos, ninguém protesta.

“Os abusos dos quais o governo francês foi acusado não foram novos, mas a luz sob a qual foram vistos era”, escreveu Tocqueville. “Mais erros flagrantes haviam existido no setor financeiro em um período anterior, mas desde que ocorreram as mudanças, tanto no governo como na sociedade, isso fez com que fossem percebidos mais vivamente do que antes”.

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Da mesma forma, a economia iraniana sempre foi uma bagunça conflituosa - uma mistura tóxica de autarquia, socialismo de estado e corrupção. Mas nos últimos anos, as pessoas tiveram suas esperanças elevadas pelas promessas dos reformadores, expectativas de que as sanções seriam suspensas e consciência sobre vida fora do Irã. Na verdade, os protestos foram desencadeados por uma série de reformas econômicas.

O inteligente livro de Ian Bremmer, de 2006, The J-Curve, argumentou que alguns países são estáveis porque são fechados – Coreia do Norte, Belarus, por exemplo – enquanto outros são estáveis porque são abertos, como os Estados Unidos e o Japão. Os primeiros protegem-se dos ventos da globalização; os últimos são flexíveis e resistentes o suficiente para se adaptar a essas forças. O período mais difícil é quando um país está passando de fechado para aberto. Se o regime for esclarecido e estratégico, poderá ter condições de reformar o suficiente para enfrentar esta transição instável. Mas há dois outros caminhos mais prováveis – o caos que provoca um retorno à repressão ou o colapso do Estado.

O Irã tem os ingredientes para uma revolução. Mais de metade da população tem menos de 30 anos, grande parte da juventude tem instrução, mas está desempregada, quase 50 milhões de iranianos possuem smartphones, por meio dos quais podem se informar sobre o mundo, e os reformadores sempre elevaram as expectativas, mas nunca chegaram a cumprir suas promessas. Mas o regime também possui instrumentos de poder, ideologia, repressão e clientelismo, todos prontos para manter o controle. O que parece provável para o Irã é um período de instabilidade – em um Oriente Médio já volátil. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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