Quatro anos depois de assumir Downing Street, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, corre o risco de entrar para a história como o homem que fez o que William Wallace, o herói nacional escocês, não conseguiu: fazer da Escócia um país independente.
Na quinta-feira, 4,3 milhões de eleitores, a maioria de social-democratas, vão às urnas decidir se devem ou não romper com o "capitalismo financeiro" e o "isolacionismo crescente" de Londres, encerrando uma união de 307 anos.
Há uma semana, o jornal The Sun e o instituto de pesquisas YouGov publicaram uma sondagem indicando ligeira vantagem da campanha Yes Scotland, a favor da separação, com 51% das intenções de voto, 2% à frente da Better Together (Melhor Juntos), pelo "não".
Em dois anos de campanha, foi a primeira vez que os independentistas apareceram à frente dos unionistas. Sete dias depois, a perspectiva se inverteu, segundo a última sondagem encomendada pelo jornal The Guardian e realizada pelo instituto ICM. Ninguém arrisca prever o resultado do plebiscito, já que todas as sondagens indicam empate técnico.
A Grã-Bretanha tem razões para temer a perda de 8% de sua população, 5,2 milhões de pessoas, 30% de seu território e quase 10% de seu PIB, ou US$ 235 bilhões de um total de US$ 2,43 trilhões.
Identidade.
Formada por uma população progressista, pró-Europa e identificada com os valores do Estado de bem-estar social, a Escócia parece cada vez menos se reconhecer ao lado dos parceiros ingleses.
Paira uma rejeição profunda aos partidos políticos britânicos, seus líderes e suas políticas, com base na redução dos serviços do Estado e no estímulo ao capitalismo financeiro. Essa rejeição, explicam, é simbolizada por Westminster, o Parlamento britânico, e pela City, o mercado financeiro londrino.
"Querem fazer o mundo acreditar que somos um bando de nacionalistas de mente estreita na Escócia, mas não é nada disso", assegura Marvin Anderson, de 45 anos, professor em Edimburgo e partidário da independência. "Esses homens de Westminster e da City nos levaram à maior recessão desde 1929. A maior parte do eleitorado só espera dos políticos que façam políticas que interessem à população, não só no interesse do mundo dos negócios, como acontece em Londres."
Esse sentimento de insatisfação foi capturado pelo líder do movimento pela independência, Alex Salmond, primeiro-ministro da Escócia e líder do Partido Nacional Escocês (SNP), crítico contumaz da política liberal e da austeridade fiscal de Cameron.
"Salmond e outros têm sido cada vez mais eficazes na argumentação de que a independência é a melhor maneira de proteger o modelo social da Escócia e sua posição como uma sociedade amigável e aberta no seio da União Europeia", diz o cientista político Alan Renwick, professor da Universidade de Reading. "A independência, diz Salmond, protegerá o sistema público de saúde dos cortes e dos que defendem sua privatização em Westminster."
Risco calculado.
Outra razão para o crescimento do "sim" é a perspectiva de que a Grã-Bretanha abandone a União Europeia em 2017, quando haverá um referendo sobre o tema. Para analistas, a secessão do país só não é certa porque o "não" vem explorando com eficiência o medo da população de que a Escócia viva uma derrocada econômica.
Cinco grandes bancos advertiram que deixarão Edimburgo em caso de independência e empresários supermercadistas alertaram para o risco de explosão inflacionária. Cameron insiste que a Escócia independente não poderá usar a libra esterlina.
Esse discurso convence em especial os eleitores mais velhos. Aposentada de 77 anos, Kathleen Forbes tem levado no peito um adesivo com a palavra "no" durante suas caminhadas diárias pelos caminhos gramados do centro histórico de Edimburgo. "Temos medo das consequências econômicas", admite. "Como saberemos se o Estado terá condições de arcar com nossas aposentadorias no final do mês?"