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Jihadistas ameaçam a paz internacional, conclui ONU

Paulo Sérgio Pinheiro denuncia crimes contra humanidade por Estado Islâmico na Síria e aponta que grupo mudou o equilíbrio de forças no Oriente Médio

Por Jamil Chade
Atualização:

GENEBRA - O Estado Islâmico ganha terreno na Síria e, hoje, as milícias jihadistas ameaçam não apenas Damasco, mas a paz mundial. O alerta é da ONU que, em um informe preparado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, denuncia os extremistas por "crimes contra a humanidade". A entidade alerta que os jihadistas conseguiram sufocar a revolução moderada contra Bashar Al Assad e mudaram o equilíbrio de forças na Síria e em toda região a ponto de obrigar potências a repensar suas estratégias na Síria.

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"Muito melhor organizado e financiado graças à tomada de recursos consideráveis e equipamento militar no Iraque, o grupo consolidou seu controle sobre amplas áreas do Norte e Leste da Síria, em particular Dayr az Zawr", indicou."O conflito na Síria, que uma vez foi entre o governo e um número limitado de grupos armados, hoje se metamorfoseou em múltiplos conflitos com inúmeros atores e frontes", destacou Pinheiro. "A violência saiu das fronteiras da Síria, com o extremismo alimentando a brutalidade". 

Para a ONU, "o impacto da guerra não está limitado apenas ao território sírio". "A chegada de combatentes estrangeiros, o sucesso dos grupos extremistas afetam a paz e a estabilidade regional", alertou. "O risco de o conflito se espalhar ainda mais é palpável". 

Pinheiro conduz a Comissão de Inquérito sobre os crimes na Síria desde os primeiros meses do confronto. Hoje, a Síria é "o maior desastre humanitário do mundo", com 2,9 milhões de refugiados, quase 200 mil mortos e 10 milhões de pessoas passando sérias necessidades. 

Em seu novo informe que está sendo apresentado nesta quarta-feira, 27, o brasileiro volta a alertar para os crimes e massacres cometidos de forma deliberada pelo governo de Bashar Al Assad. O governo teria feito avanços em áreas estratégicas do país graças a prisões em massa de homens com idade para lutar, execuções e crimes de guerra. Ainda assim, nenhuma das forças consegue ser capaz de obter uma "completa vitória militar". 

Mas a ONU alerta que esses avanços de Assad aconteceram em locais onde a oposição era fraca e Damasco tem evitado confrontos direitos com o Estado Islâmico. 

A principal novidade é o avanço do grupo extremista, que teria ocorrido por três motivos. O primeiro é a "divisões e rivalidade interna" entre a oposição que se levantou contra Assad. Grupos como o da Coalizão Nacional Síria jamais conseguiram se consolidar e nem esforços de governos estrangeiros de promover essa ala "moderada" teve sucesso. O resultado foi o avanço dos grupos radicais. 

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Outro fator é a capacidade do Estado Islâmico de atrair um número cada vez maior de sírios, além dos combatentes estrangeiros "mais experiente e motivados ideologicamente para criar um califato islâmico". "Para conter o descontentamento popular sobre seus métodos, o EI adotou uma estratégia baseada em criar ordem pela combinação de brutalidade e garantia de serviços básicos, como segurança e emprego". 

Para completar, o êxito dos extremistas no Iraque deu apoio às ações do grupo dentro da Síria. "Ganhos recentes do EI no Iraque deram um impulso militar, afetando seriamente o equilíbrio de poder dentro da Síria, tanto materialmente como psicologicamente". 

A força do EI na região chegou a tal dimensão que está afetando toda a lógica do conflito. Milícias iraquianas que atuavam ao lado de Assad tiveram de voltar ao Iraque justamente para lutar contra os extremistas e debilitando forças aliadas ao governo sírio. 

O impacto também foi sentido entre as potências que, segundo Pinheiro, fornecem as armas que estão cometendo os crimes de guerra. "Com o EI representando uma ameaça internacional e regional, muitos estados estão mudando suas prioridades em tentar limitar a influência (dos extremistas)", alertou o documento, que pede à comunidade internacional que imponha um embargo de armas e alerta sobre a "falácia de uma solução militar" na Síria. 

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"Lutar contra o extremismo se transformou em uma causa comum para estados que tem interesses conflitantes, potencialmente sinalizando mudanças nas políticas de governos no conflito". Segundo a ONU, o fortalecimento do EI obrigou governos que financiavam a oposição na Síria a repensar o envio de armas e dinheiro. "Temores surgiram de que qualquer fornecimento de armas possa ser usado pelo EI", indicou.

Crucifixo. Diante de crimes cometidos por ambos os lados, a ONU aponta que a "mais tênue possibilidade de uma vida normal foi destruída". Se a lista de crimes do governo é ampla, a do EI também impressiona a comissão. Crimes de guerra pelos extremistas teriam sido cometidos em 

Aleppo, Ar Raqqah e Al-Hasakah.

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O documento de Pinheiro lista dezenas de crimes. cometidos "praticamente de uma forma diária". "Execuções em espaços públicos se transformaram em espetáculos comuns às sextas-feiras", indicou. "Os corpos são deixamos em exibição por três dias, em crucifixos e servindo como alerta aos moradores". 

As execuções ainda envolveriam menores de 15 anos, além de apedrejamento de mulheres e decapitações, num esforço para "aterrorizar a população". 

Segundo a ONU, o grupo "justifica suas execuções com base em leis religiosos" e os suspeitos não tem acesso a defesa, no que seria mais um crime de guerra cometido pelo grupo. A denúncia da ONU também aponta que o ataque contra civis faz parte de uma política deliberada e um outro "crime contra a humanidade". 

Os sequestros também são frequentes. No dia 29 de maio, o grupo sequestrou 153 garotos de uma escola em Minbij, todos de 13 a 14 anos. Eles estavam retornando dos exames anuais. 

Praças públicas se transformaram em locais de amputações, linchamento e apedrejamentos. Homens são chicoteados por fumar, beber, por deixar suas lojas abertas durante as horas de oração ou por acompanhar mulheres que não estavam vestidas de forma adequada. Já as mulheres são espancadas por não levar o véu de forma "correta" e, em muitos casos, são outras mulheres que são colocadas para chicoteá-las. 

Crianças. O informe ainda revela que os extremistas estabeleceram campos de treinamento para recrutar crianças. Em troca de ajuda financeira, garotos de 10 e 15 anos são levados a "escolas" que, no fundo, servem para treinar militarmente os meninos. Esses mesmos garotos são então enviados à linha de frente e até como homem-bomba, em mais um crime de guerra. 

Como resultado do fortalecimento do grupo, assistência humanitária é precária. Os extremistas encerraram campanhas de vacinação, assassinam médicos e ocupam hospitais. Religiosos e jornalistas são capturados e mortos, enquanto locais de produção de alimentos são destruídos para enfraquecer a população local. 

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Pinheiro pede que o Conselho de Segurança ordene ao Tribunal Penal Internacional que abra um processo para julgar os responsáveis pelos crimes.

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